sábado, 13 de abril de 2024

crônica da semana - começou a aula

 Começou a aula

Se tem algo, uma entidade física que comanda todas as coisas, e estados e movimentos, é o tempo.

Esta é uma reflexão profunda, cheia de ramificações, derivações, mãos e contramãos filosóficas, mas de palmo em cima com a vida, a gente vai no rés, na bucha, sem nem esforço, e confirma a tese. Pode reparar. Conte quantas vezes disse ou ouviu alguém fazer considerações aleatórias nesse rumo: “tal coisa era assim, assim, mas com o tempo, mudou”. Não tenho dúvida, a gente fala no jeito e na maneira, das deduções e dos rumos da nossa história, o tempo todo que o bom Deus nos dá de vida. E sempre destacando o tempo como o definidor, o que altera, o que move e o que comanda nossa caminhada sobre os trilhos sem fim da Terra.

Deixa estar que o tempo me deu acompanhar o primeiro dia de aula de minha netinha. Com dois anos e pouquinho, a pequenina já se integra à rotina de uma estudante. E foi um ritual agregado à vovozice: Aquele instante em que ela, com uma mochilinha na costa fazendo menção de ter algo dentro, e que era mais simbólica que funcional; aquele momento sublime, em que, antes de abrir a porta da rua, deu uma paradinha, virou pra mim, abriu um sorrisinho e lançou um ‘tiau vovô’, vai para a conta de uma emoção tal, de não se perder no tempo. Uma cena marcante, de um lado pela expressão integral de fofurice, e de outro, pela reiteração da fé que tenho na educação, e que me dá a certeza de que ultrapassando aquela porta, minha netinha está avançando para um futuro de muitas realizações pautadas no conhecimento e na defesa dos valores que fizeram o tempo nos trazer até aqui.

Aí, olha só, tornei no tempo.

E como o tempo muda, né, ou pelo certo, como as coisas mudam com o tempo...

Na escola, escola mesmo, desse modelo institucionalizado, com professora do magistério, chamada, lápis e papel com pauta, eu só ingressei com sete anos. Centro Educacional e Técnico Nossa Senhora Aparecida. A escola da igreja que oferecia vagas do governo para quem não podia pagar. Não sei como mamãe conseguiu. Mas eis que um dia bem diferente dos meus dias comuns, vesti meu uniforme, que tinha uma estrela estilosa no peito, peguei na mão da minha tia, nos adiantamos pela Marquês, dobramos na Barão e mais com pouco, formaria na fila do menor para o maior na vez de iniciar minha caminhada me ajeitando na Primeira Atrasada.

Com sete anos na Primeira Atrasada, no segundo semestre, a partir da justificativa de que eu já sabia uma coisinha, dei um salto para a Primeira Adiantada e daí pra frente.

O que seria essa coisinha, que me deu o status de geninho, é que me pego a perguntar. Conhecia algumas figuras geométricas. Meu tio, que cursava o ginásio no Magalhães Barata, aqui, ali, pegava umas caixas de sapato, guardadas não sei pra quê, pelas tias, e traçava naquela superfície de papel áspera, um quadrado, um triângulo. Verdade. Na Primeira série eu já reconhecia até um losango ou um trapézio, formas que vejo até hoje, confundem muitos marmanjos. Talvez tenha sido este o talento que impressionou e levou minha professora a me adiantar. Outra habilidade que deve ter contado era a que eu já sabia a tabuada e o abecedário todo, apreensões alcançadas a peso de uma palmatória com um furo no meio, ferramenta jamais dispensada pela professora Lurdes na aula particular que eu frequentara até pintar a vaga na Aparecida.

Esta guinada ao passado, me dá reconhecer o caráter reparador, consertador, do tempo. O seguir dos anos cuidou para que a medida do tempo dada pela idade da criança, não fosse um critério inabalável. De lá para cá entendemos que a capacidade de aprender não está marcada por uma linha limite. Vai do método. E quem vê como os pequeninos manejam um celular hoje, me entendem.

No primeiro dia de aula de minha netinha, não duvidei: temos que cuidar dos valores que fizeram o tempo nos trazer até aqui.

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