sábado, 30 de julho de 2022

crônica da semana

 A Ponta do Farol

Um jeito que nos permita ver o nascer e o pôr do sol num pacote espacial só, é difícil. Esta combinação no avistamento destes eventos depende de muitas coisas. Época do ano, urbanização, densidade de vegetação no horizonte, relevo, e disposição pra acordar cedo, na batida da campa da aurora. Foi o que fiz na praia do Farol.

O pôr do sol estava na escrita diária sem esforço ou campana. Acontecia de confronte à varanda do hotel. Era só a gente dar as caras no tempo e na vez, que lá s’estava aquela bolona vermelha mergulhando no horizonte ao pegado de Cotijuba. A campana necessária foi para dar de encontro com a bolona, no amanhecer. Não tínhamos a experiência, não sabíamos o local exato. Rolou até um desânimo de não ver nada já que, a partir daquele instante da tardinha, fizemos a menção de projetar o caminho inverso do sol, e estimamos que de manhã, ele surgiria pras bandas da maior concentração urbana e isso nos impediria o avistamento dos primeiros raios de sol.  Pesquisamos o horário certinho do alvorecer, ajustamos o despertador e ficamos só na bicora do sono leve. Se eu contar a maravilha que foi...

Passar uns dias no Hotel Farol estava no meu plano de férias domésticas. Coincidiu também com o período de lançamento de edição, em três volumes, contando a história do hotel e dos Mártyres de Mosqueiro. Organizada por Andréa Mártyres de Oliveira, a coleção vem em produção rica e respeitosa. Conta a história do hotel, do casal Zacharias e Adelaide, filhos, e dos descendentes que herdaram a responsabilidade de manter a vocação da exuberante construção. Que, sem dúvida, é um ambiente de lindezas. O salão nobre, que guarda móveis, peças de decoração e luminárias originais, por exemplo, é de entontecer. Destaco ainda, o piso em madeira refinada que, tratado ao brilho e ao fulgor é arte de simetria e silêncio atávico, chega dá uma paz na gente.

Quando cantei a pedra aqui em casa e falei que iríamos veranear no Farol, a turma saiu de banda. Ponderações e considerações sobre o aporte financeiro sacolejaram a decisão. Ouvi que era, de minha parte, um lampejo burguês. Banquei. Quis porque quis, afinal, pra quê me bato o ano todo nesta minha vida de operário, enfrentando as contradições do capitalismo, suportando além disso, e por agora, ante os levantes conservadores, os rotineiros embates, nunca cordiais, ideológicos, tensos; e mais para frente previsivelmente políticos-sectários e ferozes. Se me embrenho em superações, ora, ora, se não mereço realizar uma extravaganciazinha burguesa rapidola. Arrumamos a bagagem e caímos no trecho rumo à bucólica, sem pesos na consciência...

E tem a varandinha... De lá, contemplamos, no segundo dia, após todos os preparativos, o nascer do sol.

O hotel fica na chamada Ponta do Farol. De lá, se traçarmos a linha de praia, percebemos que ela toma uma direção bem mais  leste/oeste que as outras praias. Resulta que, neste mês de julho, nos oferece um sol aparecendo, ao amanhecer, lá na fronteira do Chapéu virado com o Porto Arthur e de tardinha, do outro lado, mais um espetáculo nas mesmas águas da baía do Guajará/Marajó. Maravilha!

E eis que diante de tanta beleza, de par com a história do hotel, me bateu a cuíra de voltar mais ainda no tempo e me juntar aos tupinanbás, buscar um peixe bom, tratar, tirar o fato, envolver o pescado na folha de guarumã. Além, acender a fogueira com gravetos do murucizeiro, montar um tapirizinho e sobre ele lançar e entregar o peixe embrulhado ao fumeiro. E ficar ali, ao tempo e à paz, só apreciando o moqueio no Mosqueiro.

Um comentário:

  1. 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾

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