domingo, 3 de julho de 2022

crônica da semana - tigre na cabeça

 Tigre na cabeça

Procurando bem todo mundo tem, inclusive a bailarina, uma paranoiazinha doce, aquela sensação de um desdobramento aquém do desejado, uma expectativa pessimista, um medinho de que as coisas não vão terminar muito bem. Do nada, diga-se. Mamãe era campeã. Não podia ouvir um barulho diferente na rua, que logo maldava o pior. Estrondo, trovão eram sinais dos tempos de apreensão. Nesta época de São João, então, cada foguetinho era um assombro. Agora avalie as bombas de 100.

Fatos comuns, com levíssimas alterações de natureza ou cor, a gente taxa logo de fenômeno carente de explicações. Eventos vulgares, sintomas corriqueiros, movimentos vãos, é do calibre da gente tomar, sem critérios, como avisos e premonições.

O que procuramos no certo é uma aventura. Um sacolejo na rotina. Eu mesmo torço para que me apareçam de palmo em cima o injustificável, o inexplicável.

Aconteceu dia desses e ganhou as mídias, um risco doirado rasgando o horizonte vespertino de Belém. Oba! Um exemplo bem vindo de um espetáculo fantástico registrado por um punhado de fotografias e vídeos. Tive logo uma intuição (todo mundo tem, a bailarina também) de ser um disco voador se despinguelando de lá do infinito até cá embaixo em desastrado rasante. Acho que não era não. Não tenho bons resultados nessas minhas intuições. Houve de uma época, eu trabalhar à noite. Durante o turno, foi não foi, virava a atenção para o céu, procurando aparições extraordinárias. Achei mina de pontinhos luminosos que logo se revelaram como satélites geoestacionários ou apelidos outros que os valham. Deixa estar que numa noite... pêi! Avistei. Um objeto grande, de brilho intenso. Não era uma bola de fogo, era uma bola de luz. Subia, descia, diminuía o brilho e sumia. Marquei o ponto. Outras noites, procurei. E achei. Com um tempo, desconfiei daquelas aparições sempre no mesmo horário, na mesma rota e com a mesminha definição no rumo e na perda do brilho. Contou para meu desencanto também, que tudo acontecia exatamente ali pras bandas do aeroporto de Belém. Deduzi então, que...

Meu compadre Edir Gaya, não. Ele não nega fogo. Afirma de pé junto que lá pelo fim da década de 70, ficou a uma distanciazinha assim do Chupa-chupa. Foi bem em frente à Escola Salesiana, que naquele tempo era um aningal só. Eu até que ia pedir pra ele reforçar o relato aqui nesta crônica, mas hoje, hoje é um dia especial para meu compadrezito. Tá num pé e noutro, transbordando de felicidade com o lançamento, logo mais à noite, do disco “Liamba Jazz e Samba” que ele produziu com muito carinho, muito zelo e arte.

Para nosso descontentamento, o traço doirado que foi visto em Belém, nem rastro de um foguete, como especulado, arrisca ser. Não há elementos da Geodésia que alimente esta possibilidade. A curvatura da Terra não abona um avistamento que se realize nesta distância que se estende entre Belém e a Guiana Francesa.

Mamãe era impressionada. O custo era dar a deixa. Certa vez disse que lhe revelaria algo fascinante, mas enrolei, fiquei o dia todo remancheando. E ela a toda hora: o que foi, menino, me conta logo. Estiquei a cantilena. Tadinha, ficou tinindo de curiosidade. Fui além da resistência dela. Até, enfim, confessar-lhe que estava me engraçando por uma pequena que tinha o olho amarelo. Um espanto. Essa bola do olho da gente que no geral é acastanhada, azul, verde, na pequena, era amarela. Parecia uma peteca colombiana das difícil.

Nada a temer. Aliviada da angústia, mamãe deu um desconto. Fez a fé no Corujão. Cravou tigre na cabeça e quebrou a banca.

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