sábado, 21 de maio de 2022

crônica da semana - Luz do dia

 Luz do dia

Eu sempre quis fazer um poema luz do dia Luzia. Ornado de tua voz, teus conselhos, teus mimos. Tecido também a carõezinhos e ralhos doces, pois que a ti, toda a razão de mãe.

E saudades, muitas saudades.

Por muitos anos além de agora, vou carregar a prenda de te fazer versinhos. Cerzidos de rimas apaixonadas, talhados a carinhos, arrematados ao pedal da gentil Vigorelli. Prateadinho, meu poema, como as lantejoulas que enfeitavam a bolsinha que carregavas para toda parte que ias, e que te dava uma elegância, uma postura elevada, como de quem flutua em brisas musicais.

E que maravilha teu canto. Eu sempre quis te dar um poema musical. Arranjado em flores melódicas, enriquecido no ritmo, cadenciado, como um reguinho de águas suaves que desce os barrancos do rio Acre. Uma cantiga que traga aquelas noites de volta, quando faltava luz, a gente se aninhava na rede, tinha meio sim, meio não da vida triscada pelo clarinho da lua que varava as frestas da nossa casinha de madeira e nos largávamos aos encantos da programação noturna de Celestino, Nélson, Dalva, Emilinha. Assim, assim se passaram os anos. Tanto que durou este chamego! Até quando eu já era bem taludinho. Houve um tempo que não tinha mais blecaute, mas a música me levava sempre a ti, ao teu colo, como um filhinho zinho amamãezado. Encantado pela voz Luzia.

(Certa vez não te quis fera. Instintiva. Imediata. Escondi o feito feio e falso daquele homem querendo me enganar enquanto eu te esperava na frente da Grisolia, na hora que fazias as compras de peças para a confecção das flores de plástico. Chegou o sabichão, a puxar a sacola da minha mão. Era molequinho esperto da Pedreira. E era cria de Luzia luz do dia, mas quando que deixaria o gatuno me levar o que conseguíamos com tanto sacrifício diário. Concluídas as compras partimos para a Lobrás para aquela merenda de pão quentinho com queijo derretendo de puxar e ficar um fiozinho graxo pendendo pelo canto da boca; e um guaraná Vigor muito do seu no jeito de gelado. Eu, ó, sem dar um pio sobre o caso passado com o vigarista. Não atiçaria a ira santa de mamãe em plena merenda da tarde. Ainda mais que dali a pouco visitaríamos aquela prateleira minada, têi têi de esparramar pelo chão, os coloridos sonhos de valsa. Mas quando que animaria a fera! Calminha, na paz, era garantido que pelo menos uma tentaçãozinha achocolatada ela levava para cada uma das minhas irmãs. O meu bombom era devorado ali mesmo, com o apelo do olhar pidão.

Também não era de zanga, contemporizava, relevava. Me ensinou a responder aos moleques que me atentavam na Aparecida perguntando por que eu era baixinho. Porque Deus quis, orientava luz do dia Luzia, a resposta que eu deveria disparar no qual pega para a molecada.

Em toda a caminhada me proveu de consolos, de atenuantes antiencarnação que, por finalidade, me dotavam como pequeno grande homem, pequeno no tamanho, mas grande na inteligência, dizque. Coisa de mãe, defesa, reação civilizada, antibullyng, proteção. Na rua, pros outros me elevava a estima, me alçava acima dos ranços e dos preconceitos. Era um teba. Em casa, era amorzinho de mãe, no colinho. Até quando eu já era pai de filho, barbado. Até aquele maio devastador).

Flores de maio, contraditórias multimatizes. Euforia e tristeza na parelha. O mundo emborcando. Num instante a pupila luminosa, noutro reza carpideira e lamento. Numa hora sol equinocial, noutra, céu nublado .

Eternamente no coração, mamãezinha querida. Hoje, canto de despedida e saudade.

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