sexta-feira, 27 de maio de 2022

crônica da semana - contra azia e melancolia

 Contra a azia e melancolia

Tenho recorrido a emplastos de poesia, contos, crônicas, romances longos e clássicos, chá de boldo, bases químicas efervescentes sabor abacaxi, diálogos saneados, risos medidos e comedidos, ricos em serotinina; de quando em vez, uma fresca ao entardecer à beira da Guajará. Música a qualquer hora e em doses cavalares; artes plásticas banhadas de cores e sensações; celebrações teatrais, mímica, contorções, malabares, encenações. Tragicomédias nas esquinas. Lanço mão, não raramente, de enzimas sintetizadas para ajudar na digestão, as antigas pílulas do mato (?) e macerados de melão de São Caetano com uma tirinha de cidreira para dar o charme. Contra azia e melancolia, blends de tratamentos. Mix de intervenções. Sobreversões de prescrições terapêuticas. Um copo de água aqui, leitinho morno ali, um vídeo de humor na plataforma de streaming mais acessível, infusões, garrafadas, chumaço de ervas aromáticas adquiridas aos salteios nas barracas do Veropa. Também, me acudo a medicamentos contínuos alopáticos tarja vermelha, uns de pingar nas vistas para dar brilho ao olhar, outros ingeridos camuflados na banana, porque tenho engasgos nervosos, em horários contados. Amiúde, me atenho a inspiração em dizer causos e à estratégica cautela ante o caos que vivemos. Com fé, me largo a estímulos aeróbicos pautando uma boa e regular caminhada. Contra azia e melancolia, a perseguição incansável da serenidade ao largo pedreirense, o respiro cadenciado e o xingamento asseverado, contido, um isso assim para ser lançado a tantos agentes da agressão urbana. Ah, seu desconjurado!

Não fosse o risco iminente de ser atropelado, receberia meu emplasto contra azia e melancolia na íntegra a cada caminhada pelo estirão da Marquês de Herval. Uma prática que aglutina toda a sorte de benefícios. No percurso, canto, recito versos, imagino representações gráficas e interpretações dramáticas. Rio. Choro. Ponho máscara, tiro máscara. Dou uns goles hidratantes e estabilizadores na garrafinha que carrego atada ao pulso. Falo só. Filosofo cá dentro do excitado coração, exato nos intervalos dos sprints (oba, sobrevivi, ofegante, mas sobrevivi a mais uma acelerada!).

Há um envolvimento, uma ação holística reparadora operando na minha caminhada e só interrompida por uma buzina irritante, um freio brusco apavorante, um elogio mal’educado matinal desferido por um motorista transtornado. Ocorre principalmente nos cruzamentos regrados por semáforos. Ninguém respeita o transeunte. Se o sinal está aberto, eles reinam passar por cima da gente. Se está fechado, nem seu Souza, aí é que eles fazem conversões, manobras irregulares, avançam sinal e vão dar de palmo em cima com o pobre do caminheiro. Isso falando só dos cruzamentos. Não se conta ainda a subversão de motos e bicicletas invadindo a calçada, atravessando e cortando caminhos pelos canteiros. É comum o caminhante parar e dar preferência, beneficiar o infrator.

Procurar saúde movimentando o corpo no estirão da Marquês, mesmo que cedinho, no horário de pouco movimento de carros, é uma aventura que exige cuidados. Uma pena, porque aprecio.

De cá até lá onde os igarapés da Visconde e da Três de maio se juntam para formar o Galo, é o puro desvendar da Pedreira. Um atravessar de histórias e memórias. Chegar ali é como dominar o início e o fim (deste amor que, do meu jeito, sei amar) no mesmo tempo, no mesmo espaço. É o meu emplasto pra azia e melancolia.

O custo é eu desviar dos sustos que atravancam o meu caminho.

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