sábado, 9 de outubro de 2021

crônica da semana - círio 200

 Círio 200

Na edição do Círio 200, ganhei uma bolada.

Houve comemoração, programação especial, regressão ao primeiro caminhar no limiar do século 18, em romaria tímida pelos ermos da Campina. Autoridades civis e eclesiásticas nas cerimônias oficiais. E teve o bingo.

Quando vi minha cartela sorteada, quis logo descalçar os pés e caminhar o estirão até a Basílica, como agradecimento por ser abençoado com aquela bolada. Deu pra comprar umas coisinhas, ajudar a titia, a petizada da família e ainda sobrou uns carocinhos pra abrir uma poupança que me é de valência até hoje. Decidi acompanhar a procissão porque quis mesmo. Não foi paga de promessa nem nada. Não houve troca. Nada de toma lá/dá cá. Na época todo mundo comprou uma cartela do bingo, era uma forma de participar da festa, não havia o interesse na premiação. Era tudo movido pelo clima do Círio. A gente fica mesmo mais aberto às boas ações em outubro. O que se deu é que a idéia de acompanhar a procissão sem promissória surgiu assim, no calor da hora. Ainda bem, porque olha, fiquei em a ver com a Santinha.

De acompanhar o Círio mesmo, do início ao fim, só me foi possível uma vez. Aconteceu quando do regresso de um encontro de jovens, da pastoral Salesiana, em que firmamos alguns compromissos para mudar o mundo. Outubro estava em cima, e a primeira missão foi empurrar a Barca com Remos, no grande cortejo. Era uma ação articulada pelos organizadores e, por isso viemos na boa todo trajeto e tivemos a entrada no CAN garantida. Agora, mais recentemente, esta tarefa é dada aos alunos do ensino médio e pela natureza da causa, acompanhei minha filha nas campanhas em que ela participou. Entramos, mas saímos logo do CAN, e também o trajeto dos carros hoje não cobre toda a caminhada. Inicia na presidente Vargas. Não dá pra dizer que acompanhamos a multidão de lá a cá.

Em outra tentativa, fiz quase todo o percurso ostentando uma faixa com dizeres bíblicos e antes da Generalíssimo, fomos interceptados por indelicados agentes da polícia e outros aliados que dispersaram nosso grupo quando nos manifestávamos em defesa do padres franceses Aristides Camio e Francois Gouriou, presos por causa de um apostolado ao lado dos posseiros do Araguaia, isso no início dos anos 80.

O que se tira é que só uma vez tive a oportunidade de fazer a caminhada da Sé a Nazaré completa.

Esta vaga me levou ensejar mais uma tentativa, no Círio 200. Seria um romeiro fiel, gentil caminheiro. Leve e livre. Só não contava com aquele esmigalhamento na dobra do Manoel Pinto. Éraste! Me vi aperreado. Tive que me pegar de todo meu coração, com a Santa pra sair inteiro dali.

Até que tudo estava uma maravilha. Eu cantava, rezava, agradecia a minha bolada, olhava por céu azul e vislumbrava a paz. Até que meu céu foi estreitando, virando só um quadradinho anil, o espaço foi se contraindo, meu corpo foi elevado do chão. Pregões ansiosos anunciavam: Lá vem ela. Era a corda. Não vi mais nada. O povo se fechou sobre mim, não vi mais céu, não achei mais meus pés. Senti a cabeça rodar. Um rodopio alucinado comandou meu destino. O ar ficou raro. O mundo avermelhou-se em meus olhos de fogo e depois se apagou. Quando tornei, estava do outro lado da praça, na Assis de Vasconcelos. Uma calmaria suspeita era sinal de que a Santa havia passado. Uma gota de suor frio escorreu da minha fronte e me avisou que eu não tinha mais pegada pra continuar. Não entrei no CAN. Fiquei em a ver mais uma vez. Quando tudo isso passar, vou tentar de novo.

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