sábado, 28 de agosto de 2021

crônica da semana - martelinhos martelando

 Milhões de martelinhos martelando

Mas quando que eu, rueiro de marré, vezeiro nas batidas em vãos e desvãos do Veropa, em animadas folgas sabadais, me veria usar o fim de semana para visitas tensas e aborrecidas a laboratórios clínicos e centros de diagnósticos. É, molequinho inho inho. É a idade acossando em altas e sucessivas demandas.

É que no indo e vindo da tragédia histórica que nos consome, deixei mazelinhas comuns se acumularem. O medo de ambientes hospitalares, o ajuntamento em salas de espera, e as difíceis relações sociais que se estabeleceram neste caos, me fizeram esquecer de mim. Agora, com a segunda dose da vacina tomada, e números menos dramáticos registrados na cidade, corro atrás. Não sem sobressaltos.

O mais angustiante foi o dos milhões de martelinhos martelando, só que este desespero, desenrolo em detalhes mais com pouco...

Antes, uma sandice que merece destaque: estava eu com a bexiga por acolá de preparo para uma ultra-sonografia, quando um cidadão do bem raiz entrou no prédio. Logo foi orientado para pôr a máscara. Ruminou, grunhiu, mas cedeu. Fez-se notar. Grandão, cabeleira farta desgrenhada, bermudão de marca e chinela pranchão. Na recepção, questionou tudo. Por que assinar... tem que esperar? E falava alto pra todo mundo ouvir, o que obviamente nos fazia a todos, que estávamos ali em tempo de explodir de água na bexiga, temer perder a vez na força para aquele bruto. A contragosto, sentou e esperou. Não sem provocar dor e apreensão. Ligou o celular no volume mais alto. Era uma manifestação de patriotas a favor do preço da gasolina a 7 Reais, que ao final de um discurso (que, compulsoriamente ouvimos) foi encerrada com o hino da Independência, Ele passeava os olhos intimidadores sobre nós da poltrona em frente como se nos cobrasse reverência. Só não cantou o hino, porque, estou certo, não sabia patavina da letra. A minha valência é que fui o próximo a ser chamado e o primeiro a se livrar daquele patriotismo fora de hora (ora, a gente ali com a bexiga por acolá!). Em tempo: eu sei cantar ao menos a parte mais popular do hino da Independência, e aprecio em particular o verso "Os grilhões serão quebrados/da perfídia astuto ardil”.

Outros martelinhos martelaram no meu cocuruto e pareciam milhões.

Houve um sábado em tive que fazer uma ressonância magnética. Não sabia o procedimento não. Nem maldava ficar enclausurado por tanto tempo. Uma agonia só, visse. Uma hora um silêncio, parece que todo mundo tinha ido embora. Noutro instante, milhões de martelinhos martelando a cabeça, e na sequência uma zoada como a de turbinas de aviões aquecendo. Mais uma vez, silêncio. Eu me aperreava era na hora do silêncio. Beirava o pânico. Ali trancado, enfiado naquele tubo, sem me mexer (sou disciplinado. Quando vou fazer esse tipo de exame já entro na máquina prendendo a respiração, não é preciso nem mandar, e o máximo de movimento que faço é um leve tamborilar nervoso com a falange distal). Neste exame, dentro do tubo, ninguém fala com a gente. Toda vez que eu respirava me vinha a impressão de escangalhar todo o exame e lá se vinham de novo os martelinhos. Eu heim, me afogueei. Quase aciono aquela bolinha que dão pra gente apertar.

E teve outra vez que recebi contraste na veia e ao sair do hospital, meu braço sangrou, e pra completar a derrota, começou a chover. Acreditem : o motora do ônibus parou fora do ponto, me acudiu, me mandou ficar do lado dele, teve cuidado, desviou a rota e foi me deixar em casa. Um patriota sem hino, aquele um.

 

 

 

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