domingo, 8 de agosto de 2021

crônica da semana - bateu na trave

 O esperado é cair

Eu fico bestinha da silva de ver as atletas olímpicas fazerem aqueles exercícios na trave. Trata-se de um aparelho de competição que se compõe em uma peça de madeira medindo 5 metros de comprimento por 10 centímetros de largura, elevada a quase um metro e meio do chão. Pera lá que vou medir a largura do meu pé...

Gente, o que é isso! Meu pé bate certinho nos 10 centímetros. Ou seja, não sobra nem passa da largura da trave olímpica. É evidente que eu teria a maior dificuldade, caso conseguisse, de atravessar uma pinguela que me oferecesse essas dimensões. Avalie fazer o que essas atletas fazem. Equilibram-se, fazem coreografia, Largam-se da trave em saltos espetaculares e aterrissam sobre ela de forma mais espetacular ainda. Já merecem ouro todas por não escapulir daquela altura para o chão. Para mim é a prova mais desafiadora (e perigosa) da Ginástica Artística.

Porque o mais previsível é cair.

Em Rondônia, houve de um tempo, minha equipe montar acampamento à margem de uma lagoa. Para passar os equipamentos para o outro lado, caminhamos um bom pedaço até alcançar o acesso pela barragem de cima. Tudo arrumado, na outra margem, o que é que a turma me apronta... Para evitar a longa caminhada pela barragem, a equipe simplesmente fez um atalho por dentro da lagoa. Foi no horário de folga. Eu estava bem no embalo da minha redinha e só via era aquela presepada. Os pequenos chegando do mato com varas linheiras, forquilhas, envira... Construíram uma pinguela ligando as duas margens. Outras varas mais leves e finas foram cortadas para servir de guia e ajudar no equilíbrio. Nos primeiros dias não encarei. Dois ou três iam comigo pela barragem. O resto, cortava caminho pela pinguela. Meu medo era que minha bota Topa-tudo não combinasse com aqueles, no máximo, dez centímetros de contato com a madeira roliça e não me garantisse o equilíbrio. Logo aprendi o macete, fazia um pé após outro de atravessado e me apoiava na vara guia para garantir a sustentação. Acostumei. Ia e vinha desse jeito todo dia com a turma e do meio pro fim, nem surtava mais. Tudo corria como se fosse o mais perfeito e harmônico exercício na trave olímpica.

Até que me chega um geólogo novato.

Nem maldei. Falou que queria conhecer as frentes de serviço. Poderia até acompanhá-lo pelo arrodeio por cima da barragem, mas tão mundiado de confiança estava nas minhas traquinagens de travessia pela pinguela, que num repente, ofereci um café, uma água do pote, tomei prumo e o convidei: umbora lá.

Quando ele sentiu o drama de se apoiar naquela vara tremelicante de apoio, baqueou, mas logo deu uma de durão. Orientei sobre o pé atravessado e saí na frente. É bem verdade que um pouco além do meio, havia um trecho tenso. Era onde se localizava o talvegue, rasgo no vale submerso, onde a água passava com maior velocidade. A pressão empurrava a vara guia e a gente, até os bons, parava um instante e concentrava total. Mas foi a conta. Só ouvi foi o tibêi atrás de mim. A Valença é que o geólogo nadava bem. Era nota 10 no estilo crawl. Tinha chegado da cidade, estava com a mesma roupa que desceu no aeroporto. Molhou tudo. A gente que vivia no mato, não contava que aparecesse para atravessar nossa trave olímpica, um desavisado com carteira porta-cédula no bolso. Documentos, dinheiro, tíquetes de bagagem guardados de lembrança, um bilhetinho da namorada que havia ficado em Recife, tudo se desfazendo de encharcado que estava.

E eu fico bestinha da silva com a trave olímpica. O esperado é cair.

 

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