sábado, 4 de abril de 2020

atravessando a baía


Atravessando a baía
Ali, na confluência do rio Guamá com o rio Acará a gente tem uma amostra do gigantismo da Amazônia. É o ponto mais largo e mais agitado do estuário Guajarino e é a região em que ele muda de nome e passa a ser chamado de baía do Guajará. Correnteza forte, vento nordeste durante o dia, opulência das águas. Um companheiro vindo de Minas Gerais classificou, do jeito dele, aquele cenário. Para ele aquilo já era mar. E justificou: o que entendia de rio tinha envergadura e volume de água muito, muito menor. Eu concordei e, mineiramente,  acrescentei dizendo que um ‘córrego’ aqui, seria um ‘riachão’ para eles, lá. Esta é a lembrança que, analisando com os critérios do coração e da razão, marca a minha trajetória como operário da cadeia do alumínio, em Barcarena. A travessia da baía representava efetivamente, o nosso primeiro dia de trabalho. A balsa levava a turma que completava o grupo de profissionais que iria ‘partir’ a Alunorte.
A travessia da baía completa 26 anos, daqui a alguns meses. Alguns companheiros meus, da fábrica, remanescentes dessa época, me estimulam para que eu conte essa história. A  história, sob o ponto de vista das pessoas que estavam naquela balsa, que se aventuravam naquela travessia, de baía e de vida.
A mudança para mim, começou com a nova relação que se formou entre mim e a baía do Guajará.
Até aquele dia, apenas por três vezes havia navegado as águas da Guajará. A primeira vez, foi quando chegamos nós, mamãe e a filharada, do Acre. O despontar das duas torres do Mercado de Ferro vistas lá de longe é ainda a imagem que representa o meu batismo como paraense. A seguir, quando eu era já um molequinho do primário, uma viagem, de férias para Mosqueiro junto com minha tia Fabi, à bordo do navio Presidente Vargas traria para nossa convivência uma proposta mais bucólica. Muitos anos depois, quando retornei de uma temporada de trabalho em Macapá, argumentando a minha pouca experiência pelas ruas de rios amazônicos, troquei minha passagem aérea por bilhete de navio e me encantei com 24 horas de viagem entre furos, canais e baías de não ver fim. Na chegada à Belém, as torres de novo e um novo batismo. Este sim, batismo com água e não mais com sonhos. Daquela vinda de Macapá, meu destino seguinte seria Barcarena, daí, coisa que era rara, navegar pela baía do Guajará, passou a ser a minha rotina.
Se considerar um deslocamento mínimo de três dias por semana, desde aquela travessia na balsa, junto com os mineiros abismados de ver tanta água, tenho totalizado algo em torno de 3.600 viagens entre Belém e Barcarena. Para quem contou apenas três passeios, a maior parte da vida, é um bom número. E do jeitinho bem refinado, percorrendo várias paisagens. A baía robusta que margeia Belém, os furos e a vida ribeirinha do Nazário e Piramanha, as barras de canal já com vasta vegetação nascendo, bem defronte do cafezal. Nesses 26 anos, o rio, a rua, a minha vida se realizando em fase líquida.
Passado aquele período de aceitação, domado o desafio de ser mais presente no pra lá e pra cá da baía, a nova realidade se estabeleceu. Mudei para Barcarena. Troquei meu título de eleitor e fui fazer minha história naquele lugar.
Caso a gente sobreviva a este flagelo provocado pela Covid-19 asseverada por uma falta total de gestão responsável no Brasil. Vou tentar, aos poucos, e no meu limite, descrever os caminhos que percorri nesses 26 anos. É hora de contar a história.

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