sábado, 22 de fevereiro de 2020

crônica da semana - a embaixada e eu


A Embaixada e eu
Antigamente os bairros de Belém eram sortidos de sedes dançantes. Assim de repente, pela Pedreira e arredores posso citar as sedes do Estrelinha, Juventus, XV, Santa Cruz, Embaixada, e ainda as quadras do Ouro Negro e do Sacramenta. Era comum, os habitués anteciparem que tal dia iriam baixar na sede esta, na sede aquela.
A Embaixada de Samba Império Pedreirense tem registrado marcas expressivas no carnaval paraense.
(Mas vejo também sinais da Embaixada gravados no espírito de vários amigos da minha geração, que baixavam por lá e que eram os fanchões no merengue, na bat’staca e na lambada. Assim como em cenas inusitadas que remontam à existência do Sacramenta-Reduto. A linha de ônibus cobria praticamente toda a Mauriti. Da Primeiro de dezembro à Senador Lemos. No meio do caminho, passava de confronte à sede da Embaixada. Certa vez, vindo não sei de onde, emparelhei com uma pequena, que conhecia de vista, no corredor do ônibus. Ela, bem arrumada, maquiagem discreta, acessórios poucos mas de um certo brilho. Quando cruzamos a Duque, ela tomou a iniciativa. Perguntou se eu estava indo dançar na Embaixada. Pretendia, na certa, contar com um parceiro para as primeiras partes, no salão. Eu, que não dançava nada, respondi, com alguma pressa, que não. Puxei a cordinha e me adiantei no corredor. Ia descer na próxima esquina. Pra ver o tanto que era tida e havida como programação comum, baixar nas sedes).
A importância da Embaixada para o carnaval é inquestionável. A Escola de Samba é considerada em todas as barras. Tem, a agremiação, além da simpatia, aquele viés generoso. Abriga do mais exímio passista a um brincante como eu, com apequenado talento de gingado e de samba no pé.
No último sábado, enquanto o Império Pedreirense desfilava na Aldeia Cabana, a cabeça rodopiou, como os passos ágeis dos sambistas na avenida e me levou para as grandes batalhas de confetes, e ao mesmo tempo, para as domingueiras no ritmo da bat’staca. Uma torrente de pensamentos bons justificava a emoção enorme que eu sentia naquela hora. Contribuiu para este mergulho em sinceros sentimentos, a energia que a Escola passava pra gente lá da passarela do samba. Foi um desfile de coração. Aquecido. Cheio de amor, exalando entrega, doação.
A apresentação da Embaixada gerou uma euforia multicolorida. Um fervilhar de acalorados sonhos. Naquela hora, senti um afeto imenso por aquela Escola. Uma gratidão verdadeira (quantas vezes varamos por lá pedindo instrumentos emprestados para os cordões e blocos de sujo que formávamos na Mauriti).  
Captar aquela energia, entender aquela realização, era a confirmação de que eu e o Império Pedreirense temos muito de intimidade. De amizade (não dita, não confessada, até hoje, um ao outro). Moleque da Pedreira, me criei vendo a arte se reinventar a cada ano, nas oficinas da Escola, nos enfileirados de costureiras, no brilho ofuscante do pingo de solda certeiro arrematando a ferragem do carro alegórico. Cada adereço, cada fantasia, realçava a aura do artista, (e também) daquele artista da minha memória, do tempo do Sacramenta-Reduto, dos merengues, das lambadas, dos cordões. O carnaval para mim é um enredo mágico revelando o escondidinho da alma do artista.  Durante a apresentação da Embaixada, sábado, todo mundo cantando, todo mundo sambando, e eu, chorando. Reconhecendo que havia dentro de mim palavras não ditas. Agora, não há mais.



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