sábado, 8 de fevereiro de 2020

crônica da semana - Azul abacate


Azul da cor do abacate
Numa das arrumações que teve aqui em casa, o meu Disco de Newton pegou o beco e foi suprir o acanhado mercado de reciclagem da cidade. Deitamos-lhe fora.
Era um compacto. Um vinil de dimensões inferiores às do long play. O compacto, ao contrário do LP, que pelas medidas, podia comportar a gravação de até 12 faixas, tinha espaço para, no máximo, quatro músicas. E foi assim, inutilizando o lado B do compacto, detentor de valores, sejam lá dados pela curiosidade, sejam lá justificados pela seleção das ‘mais mais’; que eu, com uma pontinha de remorso, achei de reproduzir o mesminho desenho colorido que o Físico e Matemático inglês Isaac Newton criou para demonstrar os fenômenos da luz que nos deixam bestinhas da silva.
Bem divididinho, assim em formas triangulares a modo de fatias de pizza, o disco abrigava uma gradação de arco-íris, indo do roxo ao vermelho. Na sequência, posicionei o furo que ficava no meio do disco sobre um lápis e girei velozmente o círculo colorido em torno do eixo apontado. O efeito é impressionante.
É nesse instante que o nosso entendimento sobre o mundo e as coisas do mundo precisa de ajuda, e de espírito livre, e com a alma saneada de qualquer resíduo preconceituoso, cabe quedar-se aos enormes encantamentos da natureza.
Porque, olha, de vera mesmo, as cores nem existem por si. Precisam de nós para que façam algum sentido no mundo material.
A uma pessoa menos apegada aos mistérios da natureza, cabe a contestação. Pode, sim, rezar em outra cartilha e retrucar. Ora, o abacate é verde. O céu é azul. O sangue é vermelho.
Depende (só digo isso: depende).
Todos nós já fomos um dia, naquelas festas que têm um globo no teto, disparando luzes coloridas pra todo lado. E percebemos, tenho certeza que sem entender muito bem o porquê, que quando a luz bate na gente, a nossa roupa muda de cor.
Pensando desse jeito, o abacate, dependendo do ambiente e da luz que se atira sobre ele, pode ficar azul. Ou um azul clarinho, da cor do mar.
E, dependendo de quem está olhando pro abacate, a cor da fruta pode se tornar até um borrão indefinido.
É que as cores não estão nas coisas que vemos, e sim, lá dentro do nosso cocuruto. Indivíduos daltônicos percebem as cores, de forma bem diferente de pessoas que não são daltônicas.
O universo de cores que conhecemos é produto da dissociação da luz do sol. No frigir dos ovos, os objetos devolvem pra gente a parte da luz do sol que eles não absorvem.
O efeito que ocorre no Disco de Newton que, lembremos, é montado em fatias coloridas, impressiona porque no ato em que ganha velocidade no giro, a superfície pintada do lado B se torna totalmente branca. Ocorre que as partes coloridas vão se somando (as cores vão se associando). Eu, por mim, fico encantado com o embranquecimento do círculo, mas acho muito mais bacana, quando as cores vão tornando de novo. Conforme vai baixando a velocidade, como num passe de mágica, os trianglinhos coloridos vão reaparecendo.
O meu Disco de Newton foi pro lixo reciclável e levou com ele a revolução das cores. Contudo, me deixou o aprendizado.
E a folga em reconhecer o poder das abstrações humanas. Em mim plantou as sementes da concessão, da dissociação intuitiva. Teceu o ânimo para questionar o mundo que os olhos veem. Me fez, dependendo do ambiente e da luz incidente, admitir, mesmo que bestinha da silva, a existência de um abacate azul da cor do mar.


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