sábado, 3 de agosto de 2019

crônica da semana - oração pela família


Oração pela famíla
Há muitos anos, acompanhei um documentário produzido pela BBC sobre comportamento humano. Duas expressões culturais (ou naturais, instintivas?) me deixaram bestinha da Silva. Uma demonstrava o ritmo universal da canção de ninar. Segundo a reportagem, a gente quando pega uma criança nos braços e canta uma canção qualquer, faz um balancinho no bebê, que tem o mesmo compasso em todo mundo conhecido. Nem aquém, nem além. É um nananeném do mesmo jeitinho aqui nas baixadas da Pedreira; lá acolá, nos ermos andinos ou além mar, no velho mundo.
Uma outra, que parece óbvia, mas não é, diz da capacidade que o ser humano tem de se organizar em família. Um núcleo social que envolve cuidados, cumplicidades, perspectivas, compromissos mútuos. Para esta manifestação da organização comunitária, a matéria deu ênfase ao grupo formado por pais, filhos, agregados por afinidade e comparou.
Grupos vastos de animais, logo abandonam as crias. Um cavalo, quando nasce, já sai andando e procurando o que fazer. Grupos outros acolhem o filhote, zelam pela segurança, dão de comer até que a cria ganhe independência e lute pela própria sobrevivência. A fragilidade dos recém-chegados exige a atenção dos pais e da própria comunidade. Os seres humanos fazem parte deste mundo de zelos e cuidados. E vão além. Fortalecem laços afetivos, partilham interesses que extrapolam a satisfação de necessidades básicas. Produzem riquezas de compreensões e posses. Dividem sonhos, ombreiam-se na caminhada. O que conhecemos, hoje em vários formatos, diga-se, e em composições diversas, traduzimos socialmente como família. É do seio da família que brotamos, ganhamos o mundo e procuramos o que fazer para tornar a vida possível.
A modelagem da família se altera, mas o objetivo é sempre o mesmo. Ser feliz é o horizonte perseguido.
Na minha trajetória, as mazelas historicamente reproduzidas no Brasil, não me deram ter tanta relação com famílias de composição tradicional. Pai, mãe e filhos formam uma parcela bem reduzida das minhas relações. Agora, tenho próximo de mim, mina de gente que veio de lar encabeçado somente por mãe, ou apenas pelo pai.
E de composição farta. E de ganho pouco. E de tropeços pelo caminho.
Minha família pode ser o exemplo. Mamãe sozinha assegurou o futuro de quatro pequenos. Pelas minhas varações na Sacramenta topei com pessoas humildes, vencendo os dias com pouco mais de um salário e sustentando proles de até oitos crianças. Certa ocasião, na Everdosa, me afeiçoei de uma família e apadrinhei de coração o décimo segundo filho daquela heroína. Eu que vinha de fora, tinha até dificuldade de decorar o nome de todos.
Agora, nessa semana que passou, presenciei a confraternização de uma família cujo esteio era o pai. Sete irmãos. Todos já orbitando os cinqüenta, cheios de histórias. Digerindo pequenas faltas, reparando erros. Mas ao fim, juntos. Contabilizando, após os anos passados sob os cuidados do pai, os talentos, as vitórias.
Eu me passo quando essas ligações da estrutura familiar vingam inquebrantáveis. Ainda mais agora, nesses dias tensos que vivemos, e que nos deparamos com famílias esbandalhadas em perfis morais, esmigalhadas em vieses ideológicos. Quem consegue ficar junto é herói.
É bonito ver essas ligações invioláveis. E tão bonito, que merece até uma construção mais ousada, preposicionada! “É bonito de ver”.






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