sábado, 24 de agosto de 2019

crônica da semana - igarapé piscina


Igarapé Piscina
Agora digue lá se, só de saber o nome deste igarapé, não vem logo uma vontade de dar um tibêi. Ainda mais com este calor de estoporar que está fazendo às três horas da agonia e da tarde, em Belém. Éraste, chega dá pra imaginar. É só fechar os olhos...
A trilha saía da estrada, ia beirando um campo árido. Depois de um desvio, onde tinha um imenso tronco caído, o caminho se misturava a uma vareda varrida dentro de uma grande área de cacau plantado. Até chegar na mata alta, era um estirão calorento. Adiante, a mudança de temperatura era o sinal de que estávamos chegando à floresta de vera. Começava a forra. Uma frescura generosa se espalhava por entre as árvores. A vegetação era mais robusta, e mais densa. A picada não era muito usada. Em alguns pontos se fechava e se a gente não cuidasse, de repente, se perdia. Por isso, depois de uma caminhada guardando referências que ainda podíamos identificar, cortávamos logo para o igarapé.
Nas palavras mais aquelas de técnicas e aplicadas, caminhávamos pelo interflúvio. Que, traduzindo, é aquele cocuroto de terra mais alto, que divide duas nascentes ou separa dois leitos paralelos de rios ou igarapés.
(sabe aquele dia que a gente amanhece com a impressão de ter pegado uma surra com um feixe massudo de vara de goiabeira? E de ter ficado com o corpo quente, com o peito e os olhos empapuçados de engolir choro, com as mãos tremendo do nervoso que dá na gente nessas horas? Imagine aquela sensação de ter apanhado uma coça de se ver de dor por tudo quanto é lado e de tudo quanto é jeito. Dor concreta, padecimento abstrato, pesar diluído em revolta; mal indiscreto, dordolho, dor de saudade, dor física de um peso nos ombros de a gente não aguentar, dor de verdades indesejadas, de desejos impossíveis, dor de frustrações com a humanidade, lágrimas de guerra, agonia de causas perdidas em fendas profundas de obscuridade e intolerância. Dor de tristezas e desesperanças. Dor de cabeça se desfazendo em líquido pesado e viscoso. Esta semana que, ora se vai, começou com um sentimento, ou até com alguns sintomas de um esmigalhamento. Uma quebradeira parecendo até maleita da braba, enternecimento com poder de quebrantar. De empalidecer.
Mas eu resisti. Bati, virei, mexi, tornei e fui sarar a cuca com as lembranças refrescantes do igarapé Piscina).
Daqui deste calorão de Belém, só dá pra imaginar mesmo. O igarapé Piscina corre em terras rondonienses, longe pacas. Era alvo das minhas atenções, quando trabalhei na região de Ariquemes.
Ganhou este nome porque, no meio curso, era barrado por uma raiz de Samaúma que não tinha termo de tão grande. Uma teba. Atravessava o igarapé, freava o fluxo de água no leito e formava um poço de água azulzinha, com mais de metro de profundidade. Uma maravilha! Água azul-piscina.
A área constava da minha quadrícula de operação. Vasculhava os quatro cantos coletando sedimentos, mapeando afluentes, pesquisando. Perto de voltar para o acampamento, dava um jeito sempre de cruzar com o Piscina. E dar uns mergulhos naquele metro e pouco de água azul.
Enquanto a gente banhava no igarapé, a turma exagerava no extraordinário das histórias. Uma delas dizia que a Samaúma que emprestava a raiz para formar o poço azul era tão grande que consumia um dia e uns carocinhos de horas ainda, além, para que uma pessoa completasse uma volta em torno dela. De bicicleta! Agora digue lá.







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