sábado, 23 de fevereiro de 2019

crônica da semana - nada mudou na áustria


Nada mudou na Áustria
Conhecia o filme. Sabia da história. Tinha noção do poder da música no roteiro. É pela música que a governanta Maria conquista os sete filhos de Von Trapp. E é também, pela música, que a noviça abranda (subjuga, converte) o coração marcial do capitão.
Eis que no último sábado, dei com a exibição do filme na TV. Parei para assistir.
Eu me passo pra esses filmes antigos, musicais então, me babo. O colorido do figurino e uma certa ingenuidade nos epílogos, me aprazem. A extemporaneidade com que as músicas são inseridas nas cenas e a síncope narrativa, abrindo vaga para uma orquestra invisível, são elementos que emprestam um quê de ousadia aos musicais.
A Noviça Rebelde traz esta forma clássica de fazer cinema envolta no manto aquecido e transformador das canções. Dá finalidade à música (que é personagem de alto significado na história), em contrapartida, alinhava as mudanças na vida do par romântico, com o cordel asfixiante da ocupação nazista na Áustria.
A música salva a família. Von Trapp é um pai chato, tradicional. Adicionalmente é um patriota ferrenho. Fiel defensor da soberania austríaca (a cena que ele rasga a bandeira nazista desperta imensa empatia). Sente-se aperreado com a aproximação do flagelo alemão. Vê-se pressionado por uma fatia poderosa da sociedade, que por conveniência e, também, por um apego desmedido ao poder, quer porque quer enlaçá-lo e submetê-lo ao comando nazista. A subserviência do núcleo poderoso da Áustria ao nazismo se sustenta no pragmatismo. Ansiosos por uma beirada de poder, procuram convencer a população de que, mesmo sob o domínio de Hitler, nada será diferente na Áustria. Manejam a política de submissão, fazendo crer que a vida seguirá do mesmo jeito. Arregimentam milícias e alcaguetes para apascentar os descontentes.
A família Von Trapp que não é besta nem nada de acreditar nas fake news dos Alpes austríacos, diante daquele futuro de horror, cuida de fugir.
Arquitetando a arapuca, o comando nazista, com a intenção de enganar os incautos, aceita patrocinar um festival tradicional de música, fermentando a imagem de parceiro cultural e amigo do povo. As crianças, que por influência da noviça rebelde se destacaram como um coro de qualidade, haviam sido convidadas para cantar no festival. Ao se reconhecer acuada pelos inimigos, a família, momentos antes da apresentação, tenta a fuga. Dedurados por vizinhos, são alcançados pela milícia. Tentam livrar-se, argumentando que estavam, a família em peso, a caminho do festival. O nazista convertido que liderava o grupo (antigo desafeto de Von Trapp), faz que aceita a mentira e, cinicamente, escoltando a família até o festival, afirma com aquele desequilíbrio comum aos sádicos, que não há razão para fugir, porque nada mudou na Áustria.
Não vou contar o final do filme. Já deixei escapar que a música salva a família. A música é a resistência, a garantia de sobrevivência. A história nos conta que, apesar da oposição do capitão, a anexação da Áustria pela Alemanha foi referendada por um plebiscito ‘controlado’ realizado pelos nazistas.
A música, é uma pena reconhecermos isso, salva alguns. Infelizmente não nos salva a todos. Recentemente a Áustria encabeçou a guinada européia para e extrema-direita. Nada mudou.

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