sábado, 16 de fevereiro de 2019

crônica da semana - chope de groselha


Chope retrô
Não sou um empreendedor. O pendor para os negócios não achou em mim abrigo. Houvesse vocação e uma graninha aprumada, investiria tranquilamente na venda do chope retrô. Oportunamente observo que para nós belemenses, chope, reconhecemos ser aqueles sucos congelados e embalados em saquinhos plásticos. Em outras partes é conhecido como dindim, sacolé, flau, suque-suque, chupe-chupe, geladinho, entre tantos nomes. Atualmente, nosso chope de rua tem uma versão moderna, com variações conforme o gosto do freguês. As composições oferecem receitas que vão de dietéticas a misturas temperadas com cachaça, nas versões mais inovadoras; no geral, porém, hoje, com certa constância, é um produto que se realiza no estilo gourmet, utilizando sabores genuinamente regionais. O dito chope da fruta.
A apresentação é comum aos estilos. Um saquinho plástico compridinho, amarrado com um nó de ponta.
O meu empreendimento, que nem sei se é sonho, se é uma aspiração futura, se é meta ou foco. Vá lá que seja, a minha idéia, entretanto, propõe uma volta ao passado, tanto na forma quanto no conteúdo. Seria o chope de 35, 40 anos atrás. Com a matéria-prima mais modesta e uma confecção mais complexa, admitindo o abandono do nó de ponta. A vedação do saquinho seria no calor da guilhotina. Como dantes.
Quando trabalhei na taberna do seu Vandervino, pelos idos de 1977, era desse jeitinho que a gente fazia o chope. Um refresco artificial colorido que podia ser de groselha, de uvita, morango... Sabores e brilhos nada regionais.
Duas ou três partes de pozinho com a essência, um acréscimo de água, açúcar e o suco estava no jeito. Preparado pela nora do seu Vandervino. Depois era comigo, na máquina. Separava os sacos plásticos quadradinhos. Arrumava a panela com o suco de um lado, o funil para não errar a pontaria. Enchia cada um dos saquinhos e na sequência, unia os lados e os levava à máquina de vedação. Pisava no pedal, a guilhotina aquecida descia, pressionava, fundia as duas partes do saquinho em uma. Eu fazia um teste apertando no meio do chope e se não vazasse, o produto era arrumado numa caixa, pronto para ir ao congelador. Se vazasse um pouquinho, era do mesmo jeito encaminhado para o congelador. O custo era dar um desconto numa posição em que o líquido se acomodasse aquém do furinho, até congelar.
O negócio, caso eu me inspirasse numa grana, ocuparia um local de grande circulação, inserido na rota do modismo, algo como a praça de alimentação de um shopping. E teria um layout que reproduzisse uma venda de subúrbio, expusesse o processo, com os funcionários executando as etapas da produção e revelasse todos os recursos utilizados, inclusive o funil. Agregada à oficina, a área de degustação com um tutorial de como “sugar o conteúdo colorido até ficar dentro do saquinho só o puro branco e sem graça do gelo”, que era o jeito mais moleque de chupar um chope.
Um arranjo em relevo exibiria dispostos uns sobre os outros, os chopes ainda em estado líquido, todos impecavelmente vedados formando um mosaico de sutis movimentos e de poderoso efeito visual.
Em tempo de consumar o consumo, o degustador ainda seria surpreendido por um moleque contratado do estabelecimento, que com aquela cara de pidão, rogaria para o cliente, que lhe deixasse o vinte. Sem ‘suvinice’.

Nenhum comentário:

Postar um comentário