sábado, 20 de maio de 2017

crônica da semana - cai cai da estrela

Cai-cai da estrela
Não tinha aqueles sonhos que parecia que a gente estava caindo? Mamãe dizia que era porque a gente estava crescendo. Com metro e pouquinho de altura, conclui-se que... sonhei muito pouco.
Se não caí tanto nos sonhos, na vida real eu sou o próprio cai-cai da estrela. (nota para os mais novos: Brinquedos Estrela. Era uma indústria poderosíssima de brinquedos que dominava o ramo, no Brasil. A petizada se encantava com os lançamentos da Estrela a cada temporada. Uma outra galerinha tirava onda. Como o marketing sempre agregava o nome da empresa ao produto, em conjugações do tipo ‘o pula-pula da estrela’ ou o ‘bate-bate da estrela’, a molecada logo taxava aquele moleque meio azuruote que do nada, vivia caindo, fosse na bola,fosse nas brincadeiras de pira, fosse no simples caminhar pelos canteiros da Pedreira, de ‘cai-cai da estrela’. O meu caso).
Éraste, eu era campeão. Os meus estatelamentos mais comuns são aqueles de perda de chão. Acho que é porque sou pequenininho. Foi não foi, há aquela distância cruel entre a intenção e o gesto da pisada e tibei-te, lá vou eu ao chão.
(A mais extraordinária das quedas e aquela da qual emergi ileso e não bati o pacau por força de um milagre, ocorreu na Vila dos Cabanos por causa, ora, por causa de dóceis patinhos. Acontece que minha vizinha tinha uma criação que era um mimo. Uma noite de sobras em casa, raspei a panela e fui ao quintal fazer uma pré para os amarelinhos. Deixa estar que o quintal estava escuro e na ânsia de alcançar a cerca que dividia nossos quintais, nem dei que o alpendre era bem alto. Um passo em falso e desabei eu e a panela de petiscos. Até hoje penso que ouvi risinhos patéticos do outro lado da cerca, deixa eles. A queda foi feia, de alto risco. Um anjo me amparou e eu levantei sofrendo apenas de susto).
Ao pegado das quedas por perda de chão, vem o desaprumo por tropeção (ou tropicão, como dizem os mineiros bãos). Este é mais paid’égua. Não comporta tanto risco, e se destaca como um deslizamento algo cômico, algo trágico.
(Na minha passagem por Altamira, trabalhando com Geologia, experimentei longas caminhadas em mata fechada. Era o meu calvário. Eu me enganchava nas raízes, nos cipós, em troncos atravessados no meio do caminho e era tibei-te que não acabava mais. No início, os pequenos da minha equipe preocupavam-se, me acudiam, levavam a minha boroca pra reduzir os enganchos. Mas eu era pateta por demais. Não estava acostumado. Um piado ao largo, um ronronar longe, eu pensava que era uma fera da floresta prestes a nos devorar, desviava a atenção no caminho e enchinava chega fazia um rastro na floresta. Por fim a equipe me largou de mão e esperou que eu por mim, reagisse, que eu tomasse tento. Sei que riam risinhos a cada pouso forçado, mas sabiam que era uma queda doce. A floresta não machuca).

Pelo que se torna e pelo que se deixa, essa marmotagem de cai-cai da estrela me certifica como um homem normal, que se submete a uma lei formulada por Newton. Não sofro por isso. O que me enfeza é saber que tem gente que não se submete à lei nenhuma e só cai pra cima. Só cai pra cima.

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