sábado, 8 de abril de 2017

crônica da semana a cura tom cruise

A cura
Tô com um negócio com o Tom Cruise. Sabe uma cisma, uma inesgotável desconfiança? Para mim, em todo e qualquer flagrante, qualquer imagem que seja, captada do ator, maldo logo: não é ele. É um engodo, uma farsa (um disfarce). E tantos e quantos são os blefes e menções, que chego admitir que o Tom Cruise, de vera, de certo mesmo, não existe. O Tom Cruise é só uma máscara vil e traiçoeira.
Tô impressionado, já pensou? Desde que vi umas das edições de “Missão Impossível”, entro em parafuso quando a prosa envolve firmezas ou certezas.
No filme, as cenas deixam a gente abilezadinho. Uma hora o bandido vem com aquela cara de malzão, pronto para meter o bicho no mundo ocidental cristão, mas aí, de repente seus olhos vidram, ele dá um estrebucho, leva as mãos ao rosto, pressiona e engilha a cara, e da face, desloca uma máscara. Aí, a gente descobre aliviado que quem está na ação é o nosso herói, Tom Cruise, nos salvando a todos, e não o bandido. O mocinho, ora veja, tinha confeccionado uma máscara que nem, que nem a feição do meliante. Em outro momento, a confusão é grande. Quem tá com a cara do Tom Cruise é o  bandido e o Tom Cruise, de novo, tá com a cara do bandido, e de novo, a gente nem malda. Coisa de endoidecer. Ainda bem que a cena já é no final do filme e o desassombro vem quando uma máscara é largada ao chão, nosso herói dispara na carreira levando consigo a valiosíssima ampola de belerofonte e salvando a vida de milhões de pessoas.
Então, pelo que torna e pelo que deixa, o que me impressionou mesmo, foi a expressão de pavor na cara do Tom Cruise falso, nos estertores da morte, enquanto o verdadeiro corria para a glória, de posse do belerofonte salvador. Não foi o final feliz, o sorriso congelado, a musiquinha romântica que roubou meu apreço e envolvimento. Foi o semblante sofrido, desesperado. Foi aquela conotação dramática, a comoção dos olhos arregalados, do cenho tensionado, da boca travada. Um grito reprimido de dor que me persegue, que me consome, que me toma de sobressalto à hora mais inesperada, como litisconsorte de uma tragédia de mentirinha, mas chamuscada pelo calor que me queima como febre braba, que me arde quase que de verdade. O rosto do falso galã, agonizando, no frigir dos ovos, é mais verossímil, nas minhas reflexões que o sorriso insosso, fitando o final feliz de um mar azul. Um Tom Cruise cataclísmico, prostrado, de tez engilhada, estilhaçada de conteúdos, destroçada de forma. Uma máscara posta-se ante meu pasmado e silencioso lufar, me intimidando, me confundindo, me desafiando a demascará-la. Mas resisto. Insisto na crença. Embaixo da máscara, não é o Tom Cruise, ora,ora. É um usurpador de caras, caretas, caretinhas.

Não é o fim. A possibilidade de luta me reanima. Nada a temer. Por que temer? Fora, abaixo esse negócio de temer. Temer, não. Temer jamais. Apresento-me para o bom combate e imagino lá na frente, o antídoto, a preciosíssima ampola de belerofonte. O sorrriso verdadeiro do Tom Cruise, o mar azul, a quimera e a cura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário