A cura
Tô com um negócio com o Tom Cruise. Sabe uma
cisma, uma inesgotável desconfiança? Para mim, em todo e qualquer flagrante,
qualquer imagem que seja, captada do ator, maldo logo: não é ele. É um engodo,
uma farsa (um disfarce). E tantos e quantos são os blefes e menções, que chego
admitir que o Tom Cruise, de vera, de certo mesmo, não existe. O Tom Cruise é
só uma máscara vil e traiçoeira.
Tô impressionado, já pensou? Desde que vi umas
das edições de “Missão Impossível”, entro em parafuso quando a prosa envolve
firmezas ou certezas.
No filme, as cenas deixam a gente
abilezadinho. Uma hora o bandido vem com aquela cara de malzão, pronto para
meter o bicho no mundo ocidental cristão, mas aí, de repente seus olhos vidram,
ele dá um estrebucho, leva as mãos ao rosto, pressiona e engilha a cara, e da
face, desloca uma máscara. Aí, a gente descobre aliviado que quem está na ação
é o nosso herói, Tom Cruise, nos salvando a todos, e não o bandido. O mocinho,
ora veja, tinha confeccionado uma máscara que nem, que nem a feição do
meliante. Em outro momento, a confusão é grande. Quem tá com a cara do Tom
Cruise é o bandido e o Tom Cruise, de novo, tá com a cara do bandido, e de
novo, a gente nem malda. Coisa de endoidecer. Ainda bem que a cena já é no
final do filme e o desassombro vem quando uma máscara é largada ao chão, nosso
herói dispara na carreira levando consigo a valiosíssima ampola de belerofonte
e salvando a vida de milhões de pessoas.
Então, pelo que torna e pelo que deixa, o que
me impressionou mesmo, foi a expressão de pavor na cara do Tom Cruise falso,
nos estertores da morte, enquanto o verdadeiro corria para a glória, de posse
do belerofonte salvador. Não foi o final feliz, o sorriso congelado, a
musiquinha romântica que roubou meu apreço e envolvimento. Foi o semblante
sofrido, desesperado. Foi aquela conotação dramática, a comoção dos olhos
arregalados, do cenho tensionado, da boca travada. Um grito reprimido de dor
que me persegue, que me consome, que me toma de sobressalto à hora mais inesperada,
como litisconsorte de uma tragédia de mentirinha, mas chamuscada pelo calor que
me queima como febre braba, que me arde quase que de verdade. O rosto do falso
galã, agonizando, no frigir dos ovos, é mais verossímil, nas minhas reflexões
que o sorriso insosso, fitando o final feliz de um mar azul. Um Tom Cruise
cataclísmico, prostrado, de tez engilhada, estilhaçada de conteúdos, destroçada
de forma. Uma máscara posta-se ante meu pasmado e silencioso lufar, me
intimidando, me confundindo, me desafiando a demascará-la. Mas resisto. Insisto
na crença. Embaixo da máscara, não é o Tom Cruise, ora,ora. É um usurpador de
caras, caretas, caretinhas.
Não é o fim. A possibilidade de luta me
reanima. Nada a temer. Por que temer? Fora, abaixo esse negócio de temer. Temer,
não. Temer jamais. Apresento-me para o bom combate e imagino lá na frente, o
antídoto, a preciosíssima ampola de belerofonte. O sorrriso verdadeiro do Tom
Cruise, o mar azul, a quimera e a cura.
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