Doce acre
Algo
sacoleja dentro de mim fazendo cobranças e repreendas, quando tacho o mundo do
trabalho como um mundo de dissabores. Justo. Talvez seja um mundo doce acre.
Esta a regência nominal mais indicada.
Logo
depois do desacerto no escritório da Santo Antônio, houve de mamãe ter aquele
carinho de mamãezinha querida do meu coração, comigo. Baqueei. Pela amiga, que
era secretária do escritório, o advogado, imagino eu, com a consciência
pesadíssima, mandou um envelope pra mim. Era a minha quita. Uma indenização por
aquela manhã incompleta, que não deu nem um traço, no meu tempo de contribuição
previdenciária.
Fizemos
coisas, com aquela graninha. Uma delas foi o investimento na minha nova lida.
Uma geladeira para a venda de picolés.
Virando
mundo por aí, percebi as diferenças que fazemos nas notações e identificação
das coisas. Taperebá, por exemplo, é uma confusão. Um estica e puxa. Lá no
Xapuri, a gente conhecia por nome de cajá. Viemos para Belém, tivemos que nos
acostumar a chamá-lo de taperebá. Aí, fui morar um tempo em Rondônia. Lá voltei
pro cajá. O nosso chope, aquele, antigo chope de groselha e uvita, por aí, é
conhecido como sacolé, geladinho, dindim. Em outros cantos, a geladeira que
mamãe comprou por aqueles dias, era conhecida como isopor, simplesmente. Agora,
nos tempos de hoje, aqui em Belém, tenho reparado, tratam-na por isopor mesmo.
Pois
bem: era uma geladeira. Ativo essencial para a realização do meu segundo
trabalho. Vendedor de picolé. Tinha ainda, nove anos.
Contudo,
era bem pequena, daquelas sem alça, que eu, mesmo pequenino, abarcava com uma
volta de braço.
Saía
cedo, passava na sorveteria que havia na Duque, apinhava a geladeira e me
danava a bater perna. Vendia na rua. Acanhado e sem jeito, que era, acabei
arrumando companhia. Alguns moleques da rua, por solidariedade ou porque não
tinham nada pra fazer mesmo, passaram a me acompanhar. Eles é que faziam a
propaganda. Pregoavam: “Picoleeeeee´, e tem do extra e do cremoso...”
Não
era muito. Não resolvia os encalacres das contas, mas dava um trocado. Houve
até um lucro que reinvestimos na compra de uma geladeira maior, com alça. Nessa
ocasião, já tínhamos lugar (conquistado com muito papo, pelos meus
parceirinhos) garantido na calçada do colégio Alzira Pernambuco. Aí,
bamburramos. Todo dia voltávamos com a geladeira vaziínha da silva. E olha, com
um monte de dinheiro de papel, no cós do short. Nada de moeda, Só no papel.
Éramos ricos. Ricos!
Certo
dia, naquela minha batidinha cedo, enchi a geladeira, na sorveteria, com meias
partes do extra, do cremoso e lancei a alça sobre o ombro. Mas foi só a conta
de eu dobrar a rua, a alça quebrou. Muitos picolés foram para a calçada. Seria
um prejuízo enorme. Ainda pensei limpar um ou outro cisco, no short. Mas não.
Juntei o perdido, voltei, negociei com o sorveteiro um crédito, e troquei o
ciscado pelo limpinho. Terminada a negociação, alcei a geladeira à cabeça e
rumei para o Alzira. Surpreso comigo mesmo. Quando estava tudo perdido, aos 9
anos, garanti, com uma negociação de gente grande, mais uma vez, a renda do
dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário