sábado, 21 de janeiro de 2017

crônica da semana - doce acre

Doce acre
Algo sacoleja dentro de mim fazendo cobranças e repreendas, quando tacho o mundo do trabalho como um mundo de dissabores. Justo. Talvez seja um mundo doce acre. Esta a regência nominal mais indicada.
Logo depois do desacerto no escritório da Santo Antônio, houve de mamãe ter aquele carinho de mamãezinha querida do meu coração, comigo. Baqueei. Pela amiga, que era secretária do escritório, o advogado, imagino eu, com a consciência pesadíssima, mandou um envelope pra mim. Era a minha quita. Uma indenização por aquela manhã incompleta, que não deu nem um traço, no meu tempo de contribuição previdenciária.
Fizemos coisas, com aquela graninha. Uma delas foi o investimento na minha nova lida. Uma geladeira para a venda de picolés.
Virando mundo por aí, percebi as diferenças que fazemos nas notações e identificação das coisas. Taperebá, por exemplo, é uma confusão. Um estica e puxa. Lá no Xapuri, a gente conhecia por nome de cajá. Viemos para Belém, tivemos que nos acostumar a chamá-lo de taperebá. Aí, fui morar um tempo em Rondônia. Lá voltei pro cajá. O nosso chope, aquele, antigo chope de groselha e uvita, por aí, é conhecido como sacolé, geladinho, dindim. Em outros cantos, a geladeira que mamãe comprou por aqueles dias, era conhecida como isopor, simplesmente. Agora, nos tempos de hoje, aqui em Belém, tenho reparado, tratam-na por isopor mesmo.
Pois bem: era uma geladeira. Ativo essencial para a realização do meu segundo trabalho. Vendedor de picolé. Tinha ainda, nove anos.
Contudo, era bem pequena, daquelas sem alça, que eu, mesmo pequenino, abarcava com uma volta de braço.
Saía cedo, passava na sorveteria que havia na Duque, apinhava a geladeira e me danava a bater perna. Vendia na rua. Acanhado e sem jeito, que era, acabei arrumando companhia. Alguns moleques da rua, por solidariedade ou porque não tinham nada pra fazer mesmo, passaram a me acompanhar. Eles é que faziam a propaganda. Pregoavam: “Picoleeeeee´, e tem do extra e do cremoso...”
Não era muito. Não resolvia os encalacres das contas, mas dava um trocado. Houve até um lucro que reinvestimos na compra de uma geladeira maior, com alça. Nessa ocasião, já tínhamos lugar (conquistado com muito papo, pelos meus parceirinhos) garantido na calçada do colégio Alzira Pernambuco. Aí, bamburramos. Todo dia voltávamos com a geladeira vaziínha da silva. E olha, com um monte de dinheiro de papel, no cós do short. Nada de moeda, Só no papel. Éramos ricos. Ricos!
Certo dia, naquela minha batidinha cedo, enchi a geladeira, na sorveteria, com meias partes do extra, do cremoso e lancei a alça sobre o ombro. Mas foi só a conta de eu dobrar a rua, a alça quebrou. Muitos picolés foram para a calçada. Seria um prejuízo enorme. Ainda pensei limpar um ou outro cisco, no short. Mas não. Juntei o perdido, voltei, negociei com o sorveteiro um crédito, e troquei o ciscado pelo limpinho. Terminada a negociação, alcei a geladeira à cabeça e rumei para o Alzira. Surpreso comigo mesmo. Quando estava tudo perdido, aos 9 anos, garanti, com uma negociação de gente grande, mais uma vez, a renda do dia.


Nenhum comentário:

Postar um comentário