domingo, 8 de janeiro de 2017

crônica da semana- belém 23 graus

Belém 23 graus
Mas foi só as primeiras chuvas de dezembro arriarem na cidade, que as mídias se enxameram de testemunhos dramáticos sobre o frio intenso que invadiu, sem tomar conhecimento, as mais fininhas das fretas dos mais protegidos puxadinhos de Belém.
Penso que há uma lógica nisso tudo. Uma brecha sensitiva por onde o frio passa verossímil que é uma maravilha.
Vamos e venhamos que saímos de um novembro esturricante, com temperaturas beirando os 33 graus e sensação térmica de sei lá...400 graus, por aí. Então o barato deste caro destrambelho climático é exatamente a sensação. É aquele um tanto a mais catalisado pelo nosso caótico desenho urbano. Dependendo do calibre da pessoa, em novembro, o calor foi de calcinar mesmo, de quebrar a molécula de água da mais arquitetada combinação química orgânica que a gente possa ter dentro da gente. Tem gente que desfalece. Delira, baba, dá piripaques e grosopes assustadores.
Ocorre que no outro extremo, uma temperatura mínima de 23 graus, esta que nos visita desde o início de dezembro, é potencializada e ‘sentida’ como se fosse siberianos 22 graus, por exemplo. Dá-se naturalmente um choque térmico coletivo. Quem está acostumado ao banho de mar sabe o que significa esta sensação. Está debaixo daquele sol, pegando aquele bronze, fixando aquele brondor na mecha do cabelo, mas quando cisma de dar um mergulho, aquele resistente contado do dedo mindinho do pé com a pequena onda que se acaba na areia, ao corajoso banhista, lhe parece que o mundo o acutila a alma. No primeiro mergulho, então, é o céu que desaba sobre o empedernido veranista. A água é fria que dói.
Daí, da mesma forma que o corpo tem que se acostumar com a frieza da água da praia, numa tarde de sol de julho; o inverno amazônico reivindica, ao organismo, a mesma adaptação. As fartas reclamações que assistimos nas mídias, nos fazem crer que até o corpo tornar para as confortabilidades térmicas, exigidas a partir de dezembro, vai demorar um pouquinho.
O que vai nos valer é aproximar a dita sensação térmica, que transforma dóceis 23 graus em terríveis percepções de frio intenso, possíveis de serem medidas somente na escala Fahreneit; o que vai nos acudir é trazer a sensação para perto das temperaturas realistas, amigas e eficazes, que não fazem mal a ninguém.
Temperaturas inofensivas, realistas, mas que nos permitem sim, usar aquela camisa manga comprida, conservada à naftalina durante todo o ano, no fundo da gaveta. Nos abonam no uso daquele moletom com capuz e tudo. E nos permitem usar o ventilador à noite, apontando para cima, girando sem buscar a gente, na missão única de espantar os carapanãs.

Temos que desmistificar o frio total que nos assombra, mas, ao mesmo tempo, é coerente aceitar que 23 graus, para nós belemenses que vivemos na “cidade maravilha/purgatório da beleza e do caos” é sim, friozinho muito dos seus aquele, pai d’eguinha que só ele, gostosinho no prumo, no jeito para pôr uma meia, esticar o sono, puxar o pano de imaginar, nos cobrir dos pés a cabeça e...sonhar.

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