sábado, 23 de janeiro de 2016

crônica da semana - casa d barro

Casa de barro
Eu cheguei a ver a construção de uma casa de barro. Mais que isso. Diria que ajudei a construir. Cavei buraco, coletei a argila, molhei, amassei, só não lancei. E se eu disser que essa nova casa de barro ficava na maior avenida aqui da Pedreira (das maiores, ressalte-se, de Belém), em plena pista, a gente nem acredita, né. Mas era sim, bem localizada, no centro do bairro, rua com luz no poste, Jurunas-Conceição passando na porta, a casa de taipa (que é o nome que os livros de história empregam a este tipo de construção).
E eram muitas as casas que se destacavam não só pela construção em barro, na avenida, mas também pela cobertura de palha com um capote competentíssimo trançado na cumeeeira, ou por uma porta da cozinha partida em duas, formando a parte de baixo e a parte de cima, ou por uma janela de textura tisnada segura apenas pela tendência giratória de uma singela tramela. Muitas, com um grande terreiro se estendendo entre cercas, donde ciscavam as galinhas, trilava a picota, chapinhavam os patinhos, fuçavam os porcos. O vasto e arejado quintal. Dali, partiam os pintinhos, os patinhos e a picota em farta algazarra para a invasão da cozinha, aproveitando a banda de baixo da porta aberta.
Lembro ainda alguns detalhes da construção em barro. Uma estrutura com estacas secas e farpadas, aquelas mesmas que separavam quintais era montada, formando um encarreirado de quadradinhos. Todo o esquadrinhado era preenchido pela argila úmida que, assentada à parede era moldada, aplanada e aprumada. Secava ao calor de Belém. E em alguns dias já sustentava oficialmente a morada de dona Vivi, uma senhora brancona de Tauá que migrou para Belém e do costume do barro interiorano, não largou.
A casa de taipa foi um traço da ocupação pedreirense que perdurou. Transladou eras, enfrentou conceitos, desdenhou da indústria da construção civil, fez caso pouco da proliferação de estâncias, com suas seduções em alvenarias e fino acabamento. Mas não foi o único marcado em minhas retinas. As casas geminadas em vilas à margem das avenidas, as platibandas de subúrbio alçadas à testeira da casa sem tanta ostentação como no centro, mas nem por isso desobrigadas de tradição, aqui e ali se mostravam desinibidas e inspiravam curiosidade... As ornamentações e detalhes em azulejos: santo de devoção inscritos em encaixes poligonais, rodapé com cerâmica de motivos florais, batentes dos alpendres. Mas, entre tantos charmes, o mais comum que se via, e de certa forma, subversivo se mostrava, eram os arranjos em cacos assimétricos. O raio, dentre eles, se sobressaía. Era só juntar as peças quebradinhas, fazer o desenho de um corisco na fachada e colar os caquinhos, que a azulejaria pedreirense se concretizava.

No início do ano passado, andei pela Pedro Miranda atrás de vestígios dessa arquitetura de outrora. Ainda cheguei a fotografar a platibanda do Supermercado Sandra (venda popular que ficava entre o Café Século XX e o Cine Paraíso). Agora por esses dias, voltei lá. E quede a platibanda? Não mais existe. Que dirá uma casinha de barro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário