sábado, 9 de agosto de 2014

crônica da semana- paizão

Paizão
Todo sábado ele passava na minha rua acompanhado da petizada. Era sempre do mesmo jeitinho. Ele na frente. Um saco poderoso de farinha no ombro amparado pela mão firme. Pendurada no outro braço, uma sacola da pura juta sortida com aviamento da semana.  Saltando da beirada da sacola um frondoso pé de alface. O caminhar dele era sincopado, descontínuo. Aqui, ali, parava dava uma atenção. Esperava. Eram três meninos que lhe desaceleravam os passos. Uma escadinha. Um segurando na barra da bermuda, outro agarrado à mão do que segurava a bermuda do pai, o outro, patetando com a cabeça ali e alhures. Arriava a sacola, firmava o saco de farinha. Tirava uma qualquer coisa que se engatara no colarinho do mais novo. Jurava que já estava chegando. E se adiantava com a turma. E, olha que os meninos nem reclamavam da caminhada, nem pediam pra parar. Ele é que atinava para uma satisfação gratuita porque queria mesmo. Fazia parte daquele jeito dele de ser pai chegar perto, sentir os filhos ali na rua.
A Mauriti sempre se exibia para a passagem daquela turma. Alguma coisa alegre ou de uma cinética exclusiva acontecia quando eles passavam. Um vento batia farfalhando a copa da acácia que ficava bem na beira da calçada, algumas folhas e uns raminhos leves se desprendiam, dançavam no ar, tocando às vezes de um trisca algum dos meninos e depois, meio de combina, caíam no chão e atapetavam o caminho deles de verde. Por outra um bicicletista passava pedalando uma cargueira com uma caixona na frente que mal a gente via a cabeça dele do outro lado, mas ouvia benzinho ele cantando alto uma canção do Evaldo Braga que incentivava o riso. Ele passava, todos nós gostávamos e ríamos aprazidos com o breve e resfolegante show. Ocorria também de a molecada, nessa hora da manhã, estar exibindo os talentos numa rodada de embaixadinhas sem a bola cair no chão, na calçada do doutor Cézar Bentes. Quando passavam por lá, os pequeninhos empastelavam. Intentavam tomar a bola, desfaziam a rodinha e por uns instantes a brincadeira se transformava num peru com os três correndo pra lá e pra cá, na ira de dar um chutezinho na bola. Mas quite. Sobravam. O pai descansava o braço do peso da farinha escorado no muro de meia altura da casa ao lado e quando via que os meninos já haviam se divertido um tanto com aquela algazarra, dava um assobio fino e se lançava na caminhada e era rápido que os seus se desprendiam daquele recreio e voltavam pra’quela filinha comportada, ritmada, enraizada à barra do pai.
E eu, eu apreciava aquele operoso passeio, aquele compromisso orquestrado por um pai desconhecido, que morava pra’li pras bandas da Visconde e que me conduzia, me transladava para um futuro, para um sonho. Esquadrinhava os detalhes daquela caminhada funcional. Percebia candura, cuidado, amor e suor indulgente naquela jornada e me projetava: “quando crescer, quero ser um pai igual a ele”.
Aos sábados, quando não estava num trampo sazonal ou quando não me batia em pelejas pelos campos da Augusto Montenegro dando sangue pelo inquebrantável Internacional da Mauriti, usava as manhãs claras para apreciar o movimento da rua. Sentava no canteiro da acácia, sintonizava meu radinho no Costa Filho Show, me inteirava das ofertas dos secos e molhadas e das estivas em geral, ouvia a sequência das mais mais. Quando dava por mim, lá vinha o paizão com as crianças, o saco de farinha no ombro...
Durante muitos anos a postura daquele cidadão que passava pela Mauriti todo sábado, foi para mim a mais perfeita representação desta missão divina de ser pai. Amanhã vou à feira comprar um pé de alface.

Nenhum comentário:

Postar um comentário