sábado, 15 de fevereiro de 2014

crônica da semana - argel

Quebra-cabeça
É certo que vivo arengando com o pequeno. Vai fazer 18 anos e tá todo posudo, com baque de desimpedido, de libertaço. Ando pegando no pé, pedindo a presença dele, requerendo mimos e carinhos. Mas o pequeno navega em outras ondas, procura outros colos, outras prosas. Fico piriricas. Boto pra chulear pra cima do menino. E ele se sustenta numa constatação: “foste tu que me criaste assim, Raimundo (fala assim com esta construção condoreira). Me criaste no campo da independência, agora queres mudar tudo?  Não tem combate, né, Raimundo?”.
Concordo. Nos aviamos estes dezoito anos no amparo estrito da mais substanciosa confiança. Não há regras na nossa relação. Há sinais: “pode fazer tudo, desde que não fira ninguém”. Este é o credo que pauta nossas interações com nós mesmos e com os outros. Até hoje foi fielmente cumprido. Então, dívida não há. Há um chiliquito meu porque meu rapazinho vai fazer 18 anos e os ventos do desapego começam soprar com mais intensidade. Este desatarraxamento não é novidade. Houve tempos de nos toparmos em casa duas, três vezes por semana e muito rapidamente. Mas não me marcava tanto. Acho que por conta daquela “distância perto”. Sabia que a hora que a gente se encontrasse ia rolar o amor pai e filho. Gegel é, até hoje, um menino muito carinhoso. É um teba dum negão que, quando me abarca chega sumo no abraço dele, e me beija, me faz dengos, me chama de papaquino (olha só: pra quem não está acostumado a chamar de pai, ‘papaquino’ é uma extraordinária demonstração de afeto). Penso que esta minha zanga agora, é mais uma apreensãozinha besta, uma cisma emocional porque agora o mundo lhe é mais palpável e mais atraente que este velho pai. Em suma: ciuminho.
O desapego, reconheço, tem outro naipe, mesmo porque agora o menino nem tem tantas desobrigas a cumprir com escolas ou esportes, mas mesmo assim, me some. Huumm. Aí tem coisa. As tentações, os atrativos do mundo me batendo de goleada. Quando aparece, pega aquela bronca. Fica por ali, resmunga, faz charminho, umas troças,vai se chegando, disfarçando, dizendo que quer ver enibiêi comigo...e vai se aninhando... minha birra passa e mais com pouco, tamos ali, eu e meu negão, nos curtindo. Me amarro de ser pai do Gegel. É filho cheio de tudo e tantos.
Tem aquele olhar destruidor. Ganhou a compleição de atleta. Passou de metro e setenta (deduz-se que não parece nada comigo). Mas o que me encanta no meu rapaz nem são estas expressões. O que ele deixa implícito, o que ele dispõe para as nossas descobertas, é o que verdadeiramente me apetece. O que seduz nele são as impressões.
Percebo alguns componentes da personalidade dele. É meio franciscano. É um garoto generoso. Não guarda mágoa. Tem espírito de justiça (meu Deus! Quer até ser comunista!). É dotado de pródiga percepção.
Vai completar 18 anos esta semana e tô pagando um mico porque o quero perto enquanto ele se quer ao largo. Ele tem crédito e tem a minha bênção para ganhar o mundo imbuído daquela crença de não malinar ninguém. Vou digerir este desatarraxamento, e quer saber, com alguns consolos. O menino tem me dado umas alegrias...No último certame de vestibular, fez o dever certinho e agora é calouro de cabeça raspada. Eu sabia que na ocasião que lhe dei um jogo de quebra-cabeça, quando ele mal sabia os beabás e as contas de mais, de menos; e, pasmo, o vi montar a paisagem rapidola; Eu sabia que aquela destreza em combinar azuis, era um bom sinal.
Vê contornos, meu filho, o que a mim é uma esperança (ou um desconto?), porque até hoje, vago com as mãos assim de peças com bordas azuis, procurando céus para encaixá-las...

3 comentários:

  1. Sou teu fã, Sodré, e sabes disso. Mas quando te pões a falar dos teus pequenos, aí me derreto todo. Isso porque é como se cada palavrinha servisse na broca pra minha relação com meus moleques. Parabéns ao Argel, a quem vi miúdo e agora se põe homem feito. E parabéns a ti por seres o pai que és.

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  2. Lindo o afago entre vocês,que o Argel jamais se afaste de tão de tamanho aconchego mesmo que um dia chegue dizendo..pai casei agora tenho outra família...e isso assim em menos de dois meses,dói viu mano, portanto se curtam bastante.

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  3. Você é mesmo o Raimundo Sodré cantor? Eu queria saber uma coisa sobre você, é sobre você que o Raul Seixas fala em "“O pau comeu na cabeça do cantor José Raimundo porque sem querer falou no rádio que, cada cabeça é um mundo, Raimundo!" ? Trecho esse que foi censurado e ele teve que alterar. Isso porque na sua música Propriedade Privada você faz uma clara referência a ter sido censurado por falar que cada cabeça é o centro do universo.
    Abraço!

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