quarta-feira, 6 de novembro de 2013

crônica remix - Euclides

Euclides 
Não sei se estou sendo radical ou, de certa forma, extravagante. Mas tenho sustentado, para os meus colegas de escola, a opinião de que um geólogo, para ser um geólogo de verdade, tem que ler o Euclides da Cunha.
É claro que esta minha opinião não encontra eco na grade curricular do curso (outras matérias são consideradas mais urgentes). Abriga-se, porém, na conduta profissional, no perfil visionário, na articulação contextual que reconheci no geólogo Roberto Moscoso, lá pelos idos de oitenta e poucos, em Rondônia.
Moscoso faz parte de um grupo de geólogos que não se limita ao catecismo acadêmico (e neste grupo destacam-se escritores, músicos, pensadores, poetas, e ora vejam, só pra provar que nenhum modelo é perfeito, até políticos).
Roberto Moscoso é um dos meus ídolos até hoje. É do nordeste. Um amante do semi-árido. Puxava, naquela época a brasa pra sardinha dele. E assim, tendencioso, me indicava João Cabral, Patativa do Assaré, a estética ligeira de Capiba...Mas no fundo era um sentimental. E universal. Por causa do Moscoso, conheci Pablo Neruda, o pessoal do Planeta Diário (hoje Casseta e Planeta), o Angeli, Sartre... Percebi uma parte do céu noturno e criei em mim a necessidade de um Euclides da Cunha na minha vida.
E, engraçado, as coisas vão, vão acontecendo...
Houve uma ocasião, já aqui em Barcarena, que os peões mais saidinhos, naquela zombaria corriqueira e desmesurada, no caminho até a fábrica, cognominavam este ou aquele mais discreto ou retraído, de “Euclides da Cunha”.
Na época a rede Globo estava exibindo a série ‘Desejo’. A tragédia na vida do grande escritor se consumara e inspirara (ah, nosostros, peões, sabe como é) a galera no ônibus (depois de um tempo é que fui sacar que no entendimento dos operários do turno da noite, “Euclides da Cunha” era sinônimo de marido traído, no popular: o dito corno).
Passada a indignação e pesquisando um pouco sobre a vida do autor de “Os Sertões”, fui descobrindo aquele tempero angustiante que marca a vida dos grandes gênios. No caso de Euclides, um desenrolar insano que desandou para a descendência e para a nulidade de todo e qualquer senso no posterior desencanto amoroso de Ana (de Assis) ante o mito Dilermando (que depois de todas as derrotas impostas ao grande Euclides, dizem as más línguas, ainda propôs-se vilipendiar-lhe a obra).
Em 2004, comprei uma edição, das baratas, de “Os sertões”. Fui tomado de todos os medos e todas as objeções diante do precioso relato. Resisti à tentação de começar pelo fim, naquele momento impressionante em que o autor descreve a queda de Canudos (pra lembrar: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda história, resistiu até ao esgotamento completo. Expegnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”).
Comecei do começo e vi o quanto Euclides da Cunha é importante, não só para a literatura nacional, mas para a ciência, para o entendimento das interações homem-natureza. Muitas das coisas que estão sendo exploradas como temas contemporâneos, modernos já foram dissecados em Os Sertões, por Euclides da Cunha. (o próprio conceito de meio-ambiente está condensado nos três capítulos que compõem o livro : A Terra, O Homem, A Luta). Uma das melhores explanações sobre o processo de desertificação (tão amplamente aludido hoje em dia) é elegantemente desenvolvida pelo escritor. Para os amantes das ciências da Terra, o primeiro capítulo, vale por um bifinho.

Outro dia, um amigo, indignado com o eterno sofrimento do povo nordestino, questionou a razão daquele povo viver em lugar tão inóspito. A resposta, seja do ponto de vista sociológico, quando a obra esclarece sobre o surgimento dos jagunços e anuncia o fenômeno do cangaço, seja pela ótica antropológica, quando interpõe a crença à razão de viver, está em Euclides da Cunha, que se foi há 100 anos, vítima de um sentimento desconhecido que costumamos chamar de amor.

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