Bandola
Li
n’O PARAZÃO impresso um texto muito rico discorrendo sobre as regras do futebol
de rua. Todas muito pertinentes e oportunas. Este humilde servo do condado do
Xapuri se permite complementar, apenas, que o futebol de rua também tinha a sua
versão compacta, meio que na onda da momó, tipo ‘hoje-a-gente-não-vai-formar-vai-ficar-só-na-calçada-infernizando-a-vida-do-vizinho’.
A lei era basicamente a mesma, com alguns ajustes na concepção espacial. No
futebol de calçada, por exemplo, ‘bola no ar, não dá’; a tabela com o muro
(embora detestada e considerada desleal) é tolerada; gol de cabeça vale dois e
a bola, logicamente, tinha que ser especial, de tamanho menor. Uma
Dente-de-leite esvaziada, toscamente remendada com faca quente e com aquele
fiofiozinho de ar vazando pelo remendo. A travinha era medida a pés juntinhos,
num total de oito equilibradas pisadas.
Foi-não-foi,
o futebol de calçada ocorria paralelamente ao futebol de rua com o pessoal que
ficava na grade, mas era mais pleno e disputado nas férias de julho quando a
molecada dava uma sumida e não rolava o quorum para formar no asfalto da
Mauriti. A composição era minimizada e previdente. Dois pra cada lado, e um
menino atrevido, pronto par enfrentar o seu Ernesto caso a bola caísse nos
domínios dele.
O
palco preferido para os grandes combates era a calçada do seu Cézar. Um
valoroso paraense, doutor Cézar Bentes não bulia com a gente (fazia uma leitura
generosa daquela situação). O muro da casa dele era alto, o gramado era amplo,
a casa era recuada. Não fosse pelo embaraço no portão, quando ele chegava, lá
pelas cinco e poucas, seu Cézar jamais seria incomodado com a nossa bola. Ele
entrava com o carro, sumia lá pra dentro, na paz, e a gente ia até de noite,
aproveitando as luzes de mercúrio.
O
problema era o seu Ernesto, cujo muro baixo limitava a trave que dava pros
lados da Marquês (condição que ensejou a regra que validava dois gols para quem
intentasse de cabeça, porque, como a bola alta sempre varava pro outro lado,
quando voltava inteira, era uma festa; e que também instituiu a figura do
moleque atrevido, aquele que pulava o muro e recuperava a bola). Na maioria das
vezes, porém, seu Ernesto vencia a contenda e devolvia a bola bandada. Puxava
pelo remendo, separava as partes e jogava de volta. Aí não tinha festa, não.
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