segunda-feira, 4 de novembro de 2013

crônica remix - bandola

Bandola
Li n’O PARAZÃO impresso um texto muito rico discorrendo sobre as regras do futebol de rua. Todas muito pertinentes e oportunas. Este humilde servo do condado do Xapuri se permite complementar, apenas, que o futebol de rua também tinha a sua versão compacta, meio que na onda da momó, tipo ‘hoje-a-gente-não-vai-formar-vai-ficar-só-na-calçada-infernizando-a-vida-do-vizinho’. A lei era basicamente a mesma, com alguns ajustes na concepção espacial. No futebol de calçada, por exemplo, ‘bola no ar, não dá’; a tabela com o muro (embora detestada e considerada desleal) é tolerada; gol de cabeça vale dois e a bola, logicamente, tinha que ser especial, de tamanho menor. Uma Dente-de-leite esvaziada, toscamente remendada com faca quente e com aquele fiofiozinho de ar vazando pelo remendo. A travinha era medida a pés juntinhos, num total de oito equilibradas pisadas.
Foi-não-foi, o futebol de calçada ocorria paralelamente ao futebol de rua com o pessoal que ficava na grade, mas era mais pleno e disputado nas férias de julho quando a molecada dava uma sumida e não rolava o quorum para formar no asfalto da Mauriti. A composição era minimizada e previdente. Dois pra cada lado, e um menino atrevido, pronto par enfrentar o seu Ernesto caso a bola caísse nos domínios dele.
O palco preferido para os grandes combates era a calçada do seu Cézar. Um valoroso paraense, doutor Cézar Bentes não bulia com a gente (fazia uma leitura generosa daquela situação). O muro da casa dele era alto, o gramado era amplo, a casa era recuada. Não fosse pelo embaraço no portão, quando ele chegava, lá pelas cinco e poucas, seu Cézar jamais seria incomodado com a nossa bola. Ele entrava com o carro, sumia lá pra dentro, na paz, e a gente ia até de noite, aproveitando as luzes de mercúrio.
O problema era o seu Ernesto, cujo muro baixo limitava a trave que dava pros lados da Marquês (condição que ensejou a regra que validava dois gols para quem intentasse de cabeça, porque, como a bola alta sempre varava pro outro lado, quando voltava inteira, era uma festa; e que também instituiu a figura do moleque atrevido, aquele que pulava o muro e recuperava a bola). Na maioria das vezes, porém, seu Ernesto vencia a contenda e devolvia a bola bandada. Puxava pelo remendo, separava as partes e jogava de volta. Aí não tinha festa, não.


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