sábado, 2 de novembro de 2013

crônica da semana - rádio


Nas ondas do rádio 
Eu ouço A Voz do Brasil. O programa vai ao ar justo quando chego do trabalho. Venho de Barcarena pela alça, e desço lá no Bosque. De lá até em casa, venho andando. Não sei se minto pra mim mesmo, mas acho que esta caminhada de 25 minutos me dá um plus à vida. No trajeto, reparo nas notícias que vêm de Brasília. 
Não é muito normal, em tempo de internet, alguém sintonizar n’A Voz..., mas este tipo de propagação já esteve muito presente na minha vida. O rádio foi desde antes um companheiraço meu. 
Em Belém, aprendi a ouvir rádio com a mamãe. Durante uns quantos anos, varamos os dias sem televisão. Aqui, ali, assistíamos a um capítulo de Xeque-Mate, na televi’zinha. Um desaviso e ela nos deixava ver algum programa depois da novela, mas depois tornava da liberalidade, fechava a janela e a gente se aviava em procurar outros termos. Íamos direto para o rádio. Mamãe atava a rede na salinha de casa, ajeitava a freqüência num programa de seresta e aí a gente ia embora, noite à dentro, só curtindo. Só s’embalando. 
Em Rondônia, dei com a Rádio Nacional de Brasília. Era a internet da época. Não exatamente daquele início dos anos oitenta. A Rádio Nacional dominou o espaço amazônico durante décadas. Por aqueles dias tinha um time de responsa. Edelson Moura e Márcia Ferreira eram as mais cintilantes estrelas da emissora. Faziam a chinfra das manhãs e os musicais animados. Artemisa Azevedo aparecia num horário pouco concorrido, mas dava seu recado com simpatia. O domingo nos trazia a graça e a docilidade de Tia Leninha: “hoje a Tia Leninha vai contar uma historinha muito bonita pra vocês”. Era o dia da petizada, e esta agradável atmosfera de programa infantil, anos mais tarde, já de volta a Belém, me faria acordar às 9 da madrugada do domingo, eu mais os meus meninos, para ouvir o Abracadabra da Linda Ribeiro. 
Comparo a Rádio Nacional como a madrinha boazinha do homem amazônico. Pega no mais escondido cafundó. Atualiza o preço do ouro, ratifica o valor das pelas de borracha, anuncia a chuva nas cabeceiras dos rios, alerta sobre o nível do rio Tocantins à jusante de Tucuruí, transmite recados dos filhos debandados que chapinham pelos garimpos do Cuiucuiú, do Crepori, do Creporizinho. Uma rádio obsequiosa, mas pragmática. Foi-não-foi seus locutores ganham o trecho para fazerem shows. Viram cantores e para mim, perdem o encanto. O bacana mesmo é quando eles pairam lá por cima, pelos céus, nas ondas do rádio. Invisíveis, misteriosos. Sublimes e inatingíveis ao longe, ao sonho e à imaginação. Lindas e poderosas vozes reverberando no ar verdades, mesmo que tristonhas; mentiras, ainda que risonhas. Saudades. 
Da Almirante até a Pedreira, tento ganhar mais uns dias de vida intentando fazer de uma caminhada funcional, uma providente atividade física. Passo a passo, vou me inteirando dos acontecimentos, dos pronunciamentos, das disputas partidárias, das reminiscências ideológicas, dos fisiologismos previsíveis, ouvindo A Voz do Brasil. 
Quando quebro na Marquês, varo na frente da casa de um cidadão, que, do mesmo jeitinho que eu, está sintonizado n’ A voz... Só que ele ouve rádio do jeito tradicional. Tem um aparelho daqueles de botão e com alça. Mas não segura pela alça. Põe a cadeira na porta da rua, senta, segura o Motorola por baixo e o posiciona a altura do ouvido. Sério, entretém-se com as locuções. Passo por ele, aceno com a cabeça (como se dissesse, também tô ouvindo aqui no meu fone). Ele me devolve o cumprimento como se respondesse: “eu sei”...E o efeito Dopller vai nos distanciando, apesar das nossas afinidades e proximidades. 

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