quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Crônica remix - som e fúria

To be or not to be
A gente até pode fazer caretinhas, soltar uns venenos críticos despeitados. Mas quando se trata de minisséries, há de se ter cuidado com os juízos. Nessas horas, a galera do plimplim capricha.
Neste formato, a Globo acumula um feixe admirável de competentes produções que, pelo hio ou pelo chio (para lembrar a memorável montagem de “Grande Sertão:Veredas”) ilustraram a história da imponente dramaturgia da emissora.
A minha preferida é “Agosto”, baseada no Romance de Rubem Fonseca e exibida em 1993. Posso explicar esta minha queda pela série porque acho que ela foi montada de forma a realçar a qualidade dos atores. Zé Mayer, a partir dali fez o nome comigo (e olha que naquele tempo ele nem era o tiozinho ‘lindo, tesão, bonito e gostosão’ preferido de dez entre dez moçoilas assanhadas).
E foi na direção do palco, mas disparando luz, luxúria, loucura, som e fúria para todos os lados, que a Globo apostou as fichas para preservar a gloriosa tradição das minisséries.
Baseada na produção canadense " Slings and Arrows” a minissérie “Som e Fúria” mira nas peculiaridades do mundo artístico. Assim, a série renova uma experiência da emissora que, na novela Espelho Mágico, de Lauro César Muniz, tentava mostrar o dia-a-dia de atores famosos.
Condensada numa metanarrativa acelerada, “Som e Furia” explora a porção humana dos atores, o ‘dark side’ da fama. Aquela faceta próxima a todos nós mortais que compete, que corrompe, que tem dívidas, que tem ambições e por vezes, atropela a ética para conseguir os objetivos (o ‘barzinho logo mais à noite’ é o cenário para vapores, baratos e papos-cabeça mas também, para articulações, ciumeiras e rasteiras desleais).
Por outro lado, as mumunhas que rolam em alto relevo no meio cultural são também contempladas. A história envolve um respeitável aparato teatral (com uma estrutura administrativa; um prédio grandiloqüente; um quadro estável e competente de atores e um severíssimo critério de seleção de pauta almejando sempre os clássicos) sob total ingerência do Estado. Suscetível, portanto aos vícios da corrupção, do clientelismo e das armadilhas do marketing de vanguarda (no caso, do estranhíssimo Santoro). Este perfil meticulosamente organizado, a ligação com o Estado e uma (não explícita, mas dedutível) preferência de público, dão uma descabida tonalidade elitista ao fazer teatral (e pelo caráter promíscuo na relação com o poder e, ainda, pelo status permitido ao alto clero da produção cultural, enseja uma narrativa que desmascara a utilização pragmática da arte como identificou, destemidamente, Klaus Mann em “Mefisto”).
Além da sobriedade temática, a produção se destaca pela forma. Para modelar o recado, a Globo pescou do cinema o premiadíssimo Fernando Meirelles. O diretor surpreende vestindo a narrativa de cores neutras e trazendo para a telinha uma imagem áspera, de textura porosa, dispersa e ponteada de intrigantes vazios (é como se em cada cena houvesse uma mensagem criptografada, um obscuro segredo. Uma simbologia alertando que há algo de podre no reino da ‘Vila da Barca’).
“Som e Fúria” traz a sofisticação do drama Shakespeareano num discurso metalingüístico em que a insanidade recorre a um fantasma para acudir-se dos conflitos do ser e do não ser. Volve à luz os valores que salvaguardam a nobre missão de interpretar, cristaliza e aproxima da gente a alma múltipla, santa e pecadora do ator.
Mas o melhor da série é que ela resgatou das profundezas da coxia, o esforçado Felipe Camargo e, para a minha indisfarçável felicidade, a Zelda Scott, minha eterna musa, no papel de Andréa Beltrão. Amei.


Nenhum comentário:

Postar um comentário