sábado, 26 de outubro de 2013

crônica da semana - amar e (subversão)

Amar e outros medos (a subversão)

Em 1977, eu trabalhava de caixeiro numa taberna, o Geisel não generalizava quando se falava em Abertura Política, minha professora Cleide Nascimento se entronizava no meu reino acudindo-me na arte da “Comunicação Oral e Escrita”, O Batista ganhava posição de volante na seleção canarinho, eu estava na sétima série e meu melhor amigo era o Eduardo Figueira de Farias Neto. 
Tinha 14 anos e me dedicava no trampo. Aviava os fregueses na caté, cumpria horário...Mas no sábado, dava nó. O glorioso Internacional da Mauriti me mundiava. Dizia pro meu patrão, pra mamãe, que tinha aula de Educação Física, mergulhava por detrás do muro da vizinha pra ninguém me ver, e ficava na bicora até completar nossa onzena. Com o time formado, boiava na rua, corria para pegar o Nova Marambaia- Telégrafo e ganhava o rumo do campo da granja Novo Livramento, na  Augusto Montenegro. 
Tinha o Eduardo como um ídolo. Era um garoto da minha idade, bem mais alto, esguio, um moreno jeitoso. Me contava das aventuras dele com as garotas (aventuras  bem mais avançadas que as minhas). Dizia que depois ...depois de tórridos momentos, atracado com as pequenas, num daqueles escurinhos do muro do Bosque, bom mesmo era tomar uma Coca-cola bem gelada... Mas não era garoto de viver só de amor. Foi não foi, tirava a cisma com um menino da sétima A, na saída da escola. Eu ali, de parceiro, segurava a camisa dele, os cadernos. Eduardo dava umas bicudas, pegava uns transpescos e quando a coisa esquentava, a turma do deixa-disso atuava. Passava, passava...e com uns dias, os dois se trançavam no pau de novo. Era uma eterna disputa, mas o Eduardo era o meu líder. O meu ídolo. Eu era assessor e torcedor dele. 
A Ditadura agonizava, mas nem tanto. As bombas ainda estouravam esperanças em bancas de revistas e tínhamos um professor de Moral e Cívica que era fã dos militares. Pelo que se torna e pelo que se deixa, ele era um entusiasmado com o conservadorismo. Com um calor de lascar, na cidade, ia dar aula todo empacotado, até de paletó ele ia. Se empinava todo porque era convidado a fazer parte de júris populares em julgamentos concorridos. Mas o que mais o animava era elencar os ministros do governo militar. Até hoje lembro. Tínhamos que decorar: Agricultura, Alysson Paulinelli; Educação, Ney Braga; Interior, Rangel Reis; Minas e Energia, ShigeakiUeki...No Exército, o insurgente Sylvio Frota. E assim por em adiante. E ai de mim que não soubesse. O homi era linha duríssima. Uma falhazinha assim de memória e ele reprovava mesmo. Tinha medo dele. 
Não tive medo de amar em 1977...Ela aparecia toda manhã na taberna ornada com o charme de uma remelinha pregada no canto do olho. Daí que eu me assanhei. Imaginei ‘tórridos momentos’. Propus. Havia uma casa desocupada na Rua Nova com a Estrela. Dispunha-se sobre um terreno úmido e era tomada lateralmente por touceiras enormes de capim. Nosso ninho. Setembro quente. O mesmo horário da aula. Dei nó. Às favas os ministros do governo Geisel e o meu professor sem pescoço. Às favas os escrúpulos com a concordância verbal. Eu queria amar ela. Eu queria ter ela. Às favas as dores na consciência e as penitências. Queria ser feliz. Encontrar pela primeira vez os jardins floridos em meio ao capinzal da Rua Nova; queria ouvir ela sussurrando no meu ouvido “pão e meio, pão e meio, e dez de manteiga”. Absurdamente excitante. Deliciosamente provocante. Ai, ai, a cara que o Eduardo fez quando contei os detalhes...   
Ah, sim, cumpri o rito: depois do caso passado, tomei uma Coca-cola bem gelada na padaria da Pedro Miranda com a Mauriti. 

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