segunda-feira, 30 de setembro de 2013

crônica remix- melhor assim

Sexo, mentira e vídeo teipe
Hoje o céu está fechado.  Há chuva fina molhando o dia.
Ele acha que é feliz. Sente o gosto adocicado de uma paixão antiga, ouvindo o som perolado de Miles Davis. Valorizando, apostando na felicidade de saber que o caso já está resolvido...Está na paz, olhando a chuva pela janela. Mas um dia já sofreu tanto...
Ela era da turma. Eram estudantes de Geologia, na UFPA. Descobridores, conquistadores. Destemidos. Estavam pro que der e vier, como se diz. Abertos para o mundo e livres das inquietudes chatíssimas dos adultos caretas.
Aniversário de Belém. O Espaço Cultural de São Braz estava sendo reinaugurado naquele dia. Na pauta, o Manga Verde. Imperdível. A turma da UFPA,  mobilizadíssima para logo mais à noite.
Mais tarde, muito samba rolando. Um sucesso poderoso do Gonzaguinha: “Com a perna no mundo”. A música já fazia parte da sua história. Ouviu pela primeira vez a canção, no programa A Feira do Som, do Edir e Edgar Augusto. Depois conseguiu o disco com um amigo do tempo da Escola Técnica. Adorava o verso “Pegou um sonho e partiu...”.
O Manga Verde botando pra chulear. Ela percebe a abstração em seus olhos e se aproxima acariciando-lhe a face fraternalmente. Instintivamente, abraçam-se (e eu nem posso afirmar que esses abraços, à época, não tinham um quê de ensaio, de dolo). E no calor da hora, beijam-se convulsivamente, violentamente.
Agora, concentrado nas gotas da chuva, sorvendo a paz dos tons e semitons de Miles Daves, equilibrado, sarado por completo, também tem dúvida sobre a espontaneidade daquele momento.
Mas não era sempre assim? Não estavam ali para chocar, para chamar a atenção dos burgueses moralistas? Para libertar o tesão? Para beijar de amor, de brincadeira, de paixão? Revolução. Gonzaguinha...Com a perna no mundo.
Naquela noite, amaram-se desesperadamente. Uma noite de carinhos, de prazeres, de suores nunca dantes navegados. Na casa daquela amiga mais velha que morava sozinha e era legal pra caramba. No tapete da sala, com a geladeira zunindo indiscreta, no quadrado contíguo. Noite clara de lua. Toda nua. Noite clara de amor. Toda flor. Noite clara desejo. Toda beijo. Noite clara licores, sabores, odores...
Da janela, ele se deixa levar por aquelas boas lembranças e uma lágrima, autônoma, responde insubordinadamente, o reviver daquele momento.
Dias depois, recebeu pelo correio um envelope delicado. Sem paciência, rasgou as bordas e descobriu na seda ingrata o sofrimento em inglês: “our friendship is more than a friendship, but just a friendship”.
Dias depois, todos reunidos, no bar do Ciro, em Nazaré. Ela toda fogosa, de beijos e abraços com um garoto ali da turma. Ele procurando manter a naturalidade. Investiu-se de um personagem durão, inabalável. Bebia alegremente. Contava piadas de sua lavra. Falava com todos da mesa (inclusive com ela), sobre qualquer assunto (inclusive sobre paixões e romances famosos). Era o mais animado do grupo. Olhava, com um olhar vivo, para todos, mas não via ninguém. Mas por dentro morria de raiva e de paixão. Por dentro desabava em prantos. E desespero. Maldita, mil vezes maldita! Feriste a minha alma. Ai, abatido coração, como és infeliz! A minha amada abriga-se em outros braços, beija lábios que não são os meus. Oh, mil vezes maldita! Por que não morres? Por que não sobes para o céu, só minha, só minha? Amor, amor. Mil vezes maldita!
Tomou um porre daqueles e saiu carregado do bar.
Hoje, da janela, curtindo a chuva fina, ele admite o bom de não amar ninguém (e eu poderia dizer que este bom, também dói). Melhor assim...Já sofreu tanto...

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