sábado, 7 de setembro de 2013

crônica da semana - ais e uis

Ais e uis

Gente, advirto: isso é uma piada, tá. 
Certa vez, cheguei de viagem, vindo de um encontro que se realizara no sul do país, exatamente no período do Círio. Morava em Barcarena e tinha que passar a noite aqui em Belém. Alta madrugada, zanzei por vários hotéis e nadica de vaga. Fucei, fucei e fui me arranjar num, digamos assim, hotel de trânsito, ali pelos escurinhos do centro. Estava baqueado, cansado. Havia atravessado o país, desde Porto Alegre. Tava na pira de cansado. Me arrumei num quarto, liguei a refrigeração, acendi a TV para chamar o sono e virei de lado tentando sossego... 
(As vogais são as letras que têm som. São as emissões articuladas pela vibração de ar, dentro da gente, que têm um sentido, despertam percepções sustentáveis no tino, assentam-se ao nosso juízo sem procrastinações. Ainda mais quando vêm dobradas, triplicadas - ditongos e tritongos, na formalidade da classificação. Aí, a gente intui que ‘ai’, é sinal de dor, de descontentamento e pesar. Do mesmo modo que ‘ei’, inspira atenção, repreenda. Enquanto que ‘ui’, expressa tanto um prazer quanto um chiliquito afetado. ‘Oi’, por sua vez, faz as vezes de cumprimento e sua derivação triplicada,  ‘oieeee’, pode significar um dengo virtual. 
As vogais vivem por si só, por exemplo, quando pronunciadas nos artigos de ‘a’ casa é de Ivo e ‘o’ bolo é de Eva. Agora, tentemos nós, que nem somos eslovacos, pronunciar um ‘eme’ da vida. Não dá, né. Um ‘pê’, necas. As consoantes não jogam no time dos timbres. Com exceção de alguns nomes próprios encontrados na Eslováquia, não são símbolos fônicos pronunciáveis. Precisam ombrear-se com as vogais. Por isso são consoantes. O nome já diz: existem, ganham sentido, junto daquelas que têm som, subordinam-se às vogais). 
Ainda a piada: 
Pois bem, estava eu tentando dormir, depois de uma semana fora de casa, num frio danado no Rio Grande do Sul; após o dia todo dentro de um avião comendo só barrinhas de cereal, o estômago, croinque, croinque, reclamando. Precisava apagar. Tava naquela de que, dormindo, essas coisas, essas pendências passam. Ia me ajeitando pra desmaiar quando me espantei com as vocalizações vindas do quarto ao lado. Era um ai ai ai , um ui ui ui, um oiiiieeeee. Todas as variações de vibração das cordas vocais  foram ensejadas com muita desenvoltura  e entusiasmo naquela noite, e o mais extraordinário, ininterruptamente. E olha, dizer que aquela regrinha dos sons foi quebrada, nessa noite, penso não ser uma bobagem, não. Arrisco dizer que além da sonoridade das vogais, contra todas as advertências da fonética, me chegavam esforçadas menções consonantais (abafadinhas, reconheço, mas audíveis). Juro que ouvi algo como mmffffggggxxxx, mmffffggggxxxzz. Uma superação linguística ocorreu ali entre aquelas paredes, naquela noite. 
(Nos tempos do primário, do abecedê, na hora da separação em sílabas, já prestávamos reparo. Quem dá individualidade a uma sílaba é a vogal. Não há, a não ser na Eslováquia, presumo, uma sílaba prudente, ortodoxa, legítima, que não se ampare no trinado eloquente de uma vogal. Não rola nem pra ‘pê’ de piriricas nem para o ‘agá’, que menos que uma consoante é. Na prosa nossa de cada dia quem dá a letra são as vogais). 
Não dormi que prestasse de tantas vogais que varavam a parede e iam me apanhar notívago, na cama daquele hotel de trânsito. De manhã, olhos olheirados e encavados, antes de fechar a conta, não resisti, bati na porta do quarto de ao pegado. A moça veio atender. Pedi o telefone do cara que estava com ela. O cara era bom. Tinha muito que dar ao mundo. 
Ai, ai, as vogais. Fim da piada. 

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