sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

crônica da semana- Roger

Valeu, doutor
Conheci o Dr. Roger pela internet. Fez uma visita no meu blog, comentou. Trocamos figurinhas. Ele faz umas sessões legais de literatura em família.Tem dado vaga para a obra deste humilde servo do condado de Xapuri, nos saraus que realiza na casa dele. Bom de ofício e nas artes também. Outro dia, experimentou emboletar o texto dele com o meu e produziu esta bela crônica que partilho agora convosco. Senhoras e senhores: Dr. Roger Normando.
Ambição: quem não as tem?
Vez por outra fico me iludindo que não tenho ambição. Tenho sim. Descobri recentemente. Tanto é que deixei de fora essa idéia de não tê-la e mergulhei no tal pecado. Mas confesso que uma delas, a mais doída, foi difícil de desatarrachar da alma: comprar um segundo carro alemão, pois já tenho um fusca e um violão.
Mas toda ambição é uma fruto da outra, de outra, d’outra... até que: pimba! Lá saio eu dirigindo o meu sonho ambicioso pela BR.
Os anos se contaram, a minha formação familiar e profissional foi tomando outra cintura (mais coerentes com o meu status de pecador) até começar em mim esse sentimento esdrúxulo e bem próximo das palmadas de minha mãe. Foi coisa de dois anos atrás, quando fiz uma revisão desses conceitos e comecei a juntar dinheiro. Entendia que o melhor seria pagar à vista, como realmente fiz. Admiti que a mudança não pudesse ser na marra, no torniquete, tão radical, até por que nada em mim caiu do céu ou foi da noite pro dia. Primeiro comecei a plantar na consciência que uma ambição desta nem faz tanto mal assim. É, aliás, necessária para compor melhor o espírito de quem, a passos de cágado, vislumbra as conquistas materiais, pois as espirituais, sentimentais e educacionais, graças ao Bom-Pai, estão bem ajustadas. O materialismo ajuda a romper alguns grilhões que ainda nos comprimem os pulsos e apertam os pulmões. Por fim entendi que era apenas uma gota no vasto mar da luxúria.
Nas conversas com filhos explico que a ambição que me embrulha não é a mesma de “MacBeth”. Neste caso, defendo esse argumento: Calce os meus sapatos e percorra o caminho que percorri, pois se ando devagar é porque um dia eu já corri descalço e me sobraram apenas calos. Foram inevitáveis os calos. Levo essa ambição porque os prantos foram tantos que molharam minhas roupas.
Assim, desconstruo “MacBeth” que existe em cada um de nós. Não fui esta santidade toda, confesso. Dei ratadas incontáveis vezes e ainda me deixei encantar pelos apelos da vida hollywoodiana. Tive surtos de cobiça. Também comichão. Vontades incontroláveis de ter coisas e se coçar. Um apartamento de frente para Baía para nebulizar os meus brônquios com os ventos do norte; uma casa no campo ao melhor estilo Zé Rodrix, para degustar um Malbec; e ainda comprar muitos livros. Que eu me lembre, estas foram as minhas principais demandas, não sei se exatamente nesta ordem. Todas atendidas e com testemunhos para comprovar. Os livros, inclusive, os da minha ciência preferida e da literatura clássica e regional, são os mais caros, mas é para curar minha compulsão machadiana. Foi um custo conquistar tudo isso na casa do 40.
Mas tenho uma ambição, a maior de todas, meio-material-meio-imaterial que não podia excluir de mim e destas linhas: minhas viagens. E viagem nunca é barata, mas ao retornar, sempre alegre, parecido menino besta, não paro de vangloriar. Só para esquecer os custos.
Os filhos cresceram com todo protecionismo dos dias atuais, mas as viagens faço questão de falar. Desde a ida (com eles) ao Tucumanduba e Capitão Poço até o Muro de Berlim (sem eles), tudo me faz lembrar Fernando Pessoa: “para viajar basta existir.” É verdade, a gente passa a existir mais quando visita uma estação, pega um po-po-pô ou uma estrada ou se encontra nas nuvens. Um exemplo foi quando assisti recentemente “Meia-noite em Paris” (Wood Allen, 2011). Senti-me um protagonista de todos aqueles devaneios, onde se misturavam literatura, paisagismo e viagem. Meu enorme entusiasmo se transforma ainda mais quando viajo com os filhos, a esposa e os amigos de erudição e de bar. A minha mulher, confesso também, fica mais bela quando se torna espanhola, italiana, belga, alemã, holandesa, macapaense, carioca, paulista, salinense, cabofriense, enfim, tudo isso, mesmo que seja só por uma tarde fria no velho cais dourado.
Aqui e acolá fico repetindo que não tenho ambição. Pura leseira minha. Tenho sim. De Mosqueiro a Moscou, viajar é ambição insuperável. Chispar com carro novo é ambição fútil.

2 comentários:

  1. Sodré, Eu, do "condado" de Cruzeiro do Sul, de infância selada em Feijó - tudo Acre -, com passagem por Ji-Paraná (Rondônia), fiquei muito honrado pelo espaço vistoso que me presenteaste. Não imaginava que tantas pessoas faziam sua leitura. Foi um deleite compor um texto em quatro mãos. Qualquer hora dessas eu reapareço.

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  2. Sodré, Eu, do "condado" de Cruzeiro do Sul, de infância selada em Feijó - tudo Acre -, com passagem por Ji-Paraná (Rondônia), fiquei muito honrado pelo espaço vistoso que me presenteaste. Não imaginava que tantas pessoas FIZESSEM sua leitura. Foi um deleite compor um texto em quatro mãos. Qualquer hora dessas eu reapareço.

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