sábado, 24 de dezembro de 2011

crônica da semana- natal

Tô pensando sobre (a lógica do bem)  
O cenário é de uma tragédia. Retrata um grupo de pessoas em fuga. Carinhas orientais. A foto mira em dois garotos atravessando o rio, com água pela cintura. O menor, atracado às costas do maior. A busca pela salvação, pelo pão, por um pouquinho de amor ou de paz. Um caminhar no ermo, afundado nas águas das incertezas. Sabemos como são as tragédias. Uma escuridão sem fim. Um destino sem dono ou espécie. Fome, frio, perda, desilusão. Sabemos como é a crueldade dos reveses. Humilhação, desterro, pena, solidão, desesperança, saudade.
(Somos seres surpreendentemente fascinantes. Evoluímos. Dispersamo-nos. Sobrevivemos. Conquistamos espaços. Adaptamos faculdades. Surpreendentes somos, porque alcançamos estas vitórias meio ao acaso, nos esgueirando por  obsequiosos entrementes da natureza. Fascinantes, porque construímos a lógica nos insinuando por entrejeitos, entreformas, entrecrenças, entrefés, entremortes, entrevidas, entreamores e ódios).
A imagem correu mundo aí pelas redes sociais.
 (Esta é, por fim, a lógica do Natal. Penetrar nos hiatos dos sentimentos, nos poros dilatados do sem sentido, nos insterstícios lassos do não percebido. Ativar sensores. Acender luzinhas do juízo. Envolver-se. Deixar-se levar. O que assusta, o que intriga, o que encanta, na natureza humana é esta capacidade que temos de surpreender. Lá na Grécia Antiga, o filósofo esquematizava os impulsos, os gozos e martírios humanos: tudo acontecia como produto de uma condição. Todo homem é mortal).
Não sei ao certo em qual acontecimento foi obtida aquela foto. Mas a gente pode inferir. Uma guerra em um lugar lá do oriente desconhecido. Uma enchente poderosa, nos arredores de Pequim. Tempestade tropical em alguma ilha escarpada do Pacífico Sul. Uma tsunami devastadora no litoral do Japão. Tirando um pelo outro, o que a gente entende da imagem é a linguagem universal da dor. Os dois garotos lutando pela vida, com a água pela cintura.
(A atenuação do fardo, é por fim, a lógica do Natal. A remissão. A circunstância. O Natal é um momento de reparos. Sensibilidades são aguçadas. E a gente se verga a detalhes do nosso dia-a-dia. Percebe carências pelas calçadas de um ano todo, desdobra-se em humanidades. Enfeita a casa e a alma com motivos contrastantes. Vermelhos conflitantes: porque surpreendemos para o bem e para o mal. Sócrates é homem, alerta o filósofo).
O garoto carregando o menino nas costas. Um abraço-esperança. Penso eu, que havia por ali, algumas equipes de reportagem. Jornalistas...o próprio fotógrafo que fez a imagem. Com certeza aqueles movimentos estavam sendo acompanhados. Imagino que em algum momento perguntaram ao maiorzinho se ele não estava cansado, se aquele não era um esforço exagerado para ele. Encarar uma região alagada com o peso de um outro garoto nas costas.
(O que é lógico pra gente? Que tipo de esforços, de condições, de situações impomos às nossas condutas para que elas resultem naquelas propriedades que garantiram o fulgor da natureza humana? Sócrates, então, é mortal, deduziu o pensador).
A frase que faz a legenda da foto é atribuída ao garoto e sugere a resposta sobre o desafio de carregar um companheirinho nas costas: “Não é pesado...É meu irmão”. Pode nem ser dele, a frase. Pode ser uma montagem. Tem a possibilidade de ser uma intenção de cunho religioso posta exatamente para comover, para impressionar. É, porém, em todos os sentidos, sublime. Um belíssimo exercício de lógica pela vida. A lógica do bem. ‘Irmão não pesa’. Tô pensando sobre. Feliz Natal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário