terça-feira, 11 de outubro de 2011

Morte em La Paz - cap VI e VII


Capítulo VI

Olhou ao longe, os picos nevados deslumbrantes. Coloridos de luz indefinível, misteriosa. Luz fronteira do mar. Tão longe, tão longe está aquele horizonte que sonhou um dia: ser o médico da Terra. Cuidar das feridas da Terra. Elis. Amar Elis livremente.
Tomou dos bolsos do embornal, as ajudazinhas  ofertadas pelos índios. Preparou mais uma dose do citrino uísque, agora sem gelo. Foi até o banheiro e retirou o espelho do armarinho. Sentou-se calmamente ao lado da janela que dava  para as montanhas, e ajeitou o espelho sobre os joelhos. Deixou o saquinho recheado de sementinhas a esperar, no chão, no canto da parede. Lançou mão do papelote e dispôs ordenadamente sobre a superfície lisa do espelho, quantas carreiras foram possíveis. Fez um canudinho com uma nota surrada de dez pesos bolivianos. Vergou o corpo sobre o espelho e reconheceu ali, cordilheiras brancas, misteriosas, brilhantes, em primeiro plano. Ao fundo a figura singela, sincera, de um garoto apaixonado, estudante de Geologia da USP. Repetiu várias vezes o nome de Elisângela, como numa ladainha desesperada e mergulhou no mar de pó branco.

Capítulo VII

Nariz arde, garganta arde. Um brilho confuso desvia o olhar para todos os lados. Tragou do quente uísque, recostou-se na poltrona, e fitou a luz fronteira do mar, lá ao longe, de um colorido fascinante. Elis, Elis, meu amor.
Guardou com zelo, o espelho neblinado de pó. Tomou o telefone e pediu mais água mineral. Luzes ao longe, Andes deslizando, fenda colossal, mercado de cobre. A medicina da Terra. Um grande amor.
Pacientemente e com esmero que lhe é peculiar, enrolou um após outro, os cigarrinhos. Pôs outra dose de uísque e zanzou pelo quarto à cata daquela caixa de fósforo que ganhara de brinde no hotel. Cessada a busca, acendeu o primeiro que, como os outros seguintes, teimava em descolar-se num ponto ou noutro da seda. Puxou forte a fumaça , prendeu a respiração e voltou à janela. Abriu o quadrado envidraçado e viu-se cortado em mil pedaços pelo vento gélido do altiplano. Naquela hora, embrenhou-se nos caminhos sem fim que o levaram ao mar. Ah, Elis. O mar redentor, Elis, meu amor. Soltou a fumaça devagar, respirou fundo e tomou a última dose de uísque. Tragou debilmente de todas as sementinhas. As montanhas a observá-lo pelo quadrado da janela.

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