sexta-feira, 21 de outubro de 2011

crônica da semana- hbv


Eu acredito no HBV
Os mais novos não sabem o que significa esta sigla nem indo nem vindo, e os mais velhos não lembram mais o que ela quer dizer. A razão para o abandono e para a dispersão do sentido que a sigla encerra é o desuso. Não se usa mais dizer as horas na versão HBV.
Mas antes era assim: a gente marcava um encontro e tinha que tinha que discriminar a referência. Era tal hora assim, assim, no horário novo! Isso porque, houve um tempo em que a aplicação do Horário Brasileiro de Verão também vinha nos pegar aqui no norte do país.
Adotar um horário especial para o verão, no Brasil, é coisa antiga, data do primeiro Governo Vargas, na década de 1930, e foi inspirada numa proposição do energizado Benjamin Franklin, que pregava, já no século 18, o melhor aproveitamento da luz diurna.
A idéia de usufruir o máximo da luz do dia é bem acesa e é defendida, com muito entusiasmo, hoje, pelos bambambans em recursos energéticos. Eles juram de pés juntos que o país faz uma economia em torno de 5% de energia elétrica no período em que vinga o horário de verão.
Mas os militares pós-64 não deram muita trela pra isso e, talvez querendo traduzir a natureza obscura da época, na fase mais dura da Ditadura Militar revogaram as leis de Kepler, empurraram a sedução astronômica para a clandestinidade e não mexeram nos ponteiros do relógio por longos 18 anos.
Do jeito como o conhecemos, o Horário Brasileiro de Verão acontece desde 1985. Quer dizer, nem tanto. Deu-se antes, um rebu...
Este tipo de procedimento é muito eficaz para as regiões mais distantes do Equador (e eu estou de prova. Nas minhas caminhadas matinais, desde setembro venho acompanhando o movimento do sol. O astro-rei passou por cima do Equador, vindo lá do golfo do México, pairou sobre a gente aqui em Belore e agora ruma firme para o sul. Em dezembro vai estar bem longe, inundando de luz los hermanos, e vai proporcionar o dia mais longo do ano, ou seja, o maior tempo de luz diurna no hemisfério sul. A região de Ushuaia na Argentina, por exemplo, vai receber mais de 17h de insolação no dia 21 de dezembro. Então é verdade. Acredito nisso. Se o verão é marcado por períodos de luz maiores que os períodos de escuridão, o Horário de Verão tem uma razão de ser).
Ocorre que, para quem mora mais próximo do Equador, como nós paraoaras, estes efeitos de luz e sombra são muito discretos. Não são sentidos. A intensidade de luz recebida é, praticamente, a mesma seja qual for o paradeiro do sol. A diferença aqui pra região metropolitana de Belém, é um issozinho aqui, ó. Um tantinho de nada, só pra não dizer que não tem.  Daí as mancadas na reedição do HBV a partir de 1985. Nas primeiras tentativas de adiantar os ponteiros, nosotros sofremos pacas. O relógio biológico reclamou, a gente fazia confusão entre horário novo e horário velho, a claridade do dia não se espichava, às 5 da matina, ao contrário de Ushuaia, aqui nas cidades do norte ainda era o puro breu e lá pra janeiro o toró diuturno escurecia era tudo. Até que de uns tempos pra cá, acabaram com esta marmota para as partes aqui de riba. O negócio é bom mesmo, lá pro sul do país.
Entretanto, como diria minha mãe, tirando um pelo outro, acredito no HBV.
Mesmo porque entendo que o contexto não é somente o da alteração no horário. Para mim, o HBV vai além disso. É um apelo ao carpe diem. Mesmo que não nos valha concretamente, pode servir como mensagem. É um chamado à luz.
(E por falar em luz, este caminhar do sol sobre nossas cabeças, não é bem assim, né. É só uma impressão. Como provou Foucault, com o famoso pêndulo, quem se move, na verdade, é a Terra). Aproveitemos, portanto, o dia.

Um comentário:

  1. Sou fã declarado de ti, Sodré. Quem sabe é por isso que nem comentarei sobre suas crônicas e seus escritos de modo geral. Tu, com esse jeito papa-chibé assumido chega com esse linguajar apurado, como quem foi nascido e crescido nas vielas da sacramenta, pedreiras e confluências -
    Posso dizer até que és paraense nato e sem divisão, mas, nem és do leão que eu sei!
    Grande abraço, amigo!
    Renato Gusmão

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