sábado, 29 de janeiro de 2011

Crônica da semana

Andar com fé (pelas ruas de Belém)
Encontrei a comunidade ‘Andando a pé por Belém,’ outro dia, no Orkut. Rapidola que quis participar. Vigi, já fiz muito isso. Por necessidade, naqueles tempos em que eu varava da Sacramenta, lá perto de onde é hoje o elevado Daniel Berg, até a Mauriti, nas altas horas; por pura bandalha, quando me abalava com a molecada da minha rua lá pras bandas do Agronômico, pra arapucar passarinho; ou por questões prioritárias, quando eu usava a grana do ônibus na coleta de uma rodada de ‘Coquinho’ para a comemoração de uma turma que estava formando na Escola Técnica (e éraste! Toda sexta tinha uma turma, dizque, se formando. Aquilo era uma perdição!).
A minha batida da Sacramenta é clássica. Já contei sobre ela aqui. Rolou por vários motivos e cada um deles com sua nobreza. Mas teve uma que não foi na Sacramenta, e que marcou. Ai, meu Deus, não me lembro bem, mas acho que foi lá início dos anos 80. Antes, porém, umas premissas:
Tinha meu amigo Edir Gaya. Confiava nele pra tudo em quanto (como até hoje, ressalte-se). Era ele o meu guardião (mesmo porque eu sempre fui pequenininho e ele, um teba dum macho que já na adolescência, tinha quase metro e setenta de altura, queixava-se ser bom de briga, encarava qualquer parada e coisa e loisa). Pai d’égua! Na companhia dele, eu, gitinho que era, me sentia protegido. Vínhamos sempre juntos, a pé, das sessões musicais do Hera da Terra, vergando a Tordesilhas que separava a Sacramenta da Pedreira. Eu ficava na Mauriti, e ele seguia sozinho lá pra fronteira com a Matinha. Essa era a nossa lógica.
Só, que certa vez, invertemos a passada. A peça ‘A Ópera do Malandro’ veio para uma temporada no Teatro da Paz. Fizemos das tripas coração para conseguir grana para um ingresso no Paraíso. Conseguimos. No dia da apresentação, sentimos o quanto o povo está longe dos grandes espetáculos. Acho que fomos os primeiros belemenses (pode até ser que eu esteja enganado, mas fora aquele circuito popular de inserção tipo Projeto Pixinguinha ou Jaime Orvalle..., acho que fomos os pioneiros mesmo) a entrar com trajes simplesinhos e...chinelos de dedo, no suntuoso teatro. A platéia estava impecável (até aqueles que nunca tinham ouvido falar de Chico Buarque ou Bertold Brecht capricharam nas caras, bocas, panos e adereços).
Folgamo-nos a valer com a peça (não me esqueço das pernas da Marlene, já com alguns aninhos a mais que sessenta, ou daquela seqüência fascinante em que ela cantou “Uma Canção Desnaturada”, com Terezinha no seu colo). Tudo ali, naquela noite era divino e maravilhoso. Mas precisávamos estar atentos e fortes.
Quando acabou a peça, estávamos sós. A elite cultural paraense acionou seus choferes e sumiu. E nós, ó, ficamos bestando. Já era de madrugada. Não havia ônibus. Dinheiro, foi só aquele do ingresso mesmo. Ficamos um tempo na parada. Mas quite. Nada de ônibus (nem um cristo qualquer pra gente ‘amucegar’ até São Brás). Partimos para a pátria amada.


Detalhe: neste traçado de lógica invertida, my best friend ficava primeiro. E como eu era super/hiper/mega dependente, pedi que ele me deixasse em casa. O pequeno deu um pulo lá longe. Mas como, já, se eu moro bem aqui logo? Emburrei diante daquela reação e fiquei de mal. Pra completar, choveu uma chuvinha fina na madrugada. E tiramos aquele estirão da Alcindo Cacela em silêncio, como se tivéssemos comido abiu. Foi batata. Quando chegou na Curuzu, o Gaya quebrou pra direita e eu segui sozinho pela Pedro Miranda até em casa. Na solidão e na chuva fina, me senti um homenzinho de verdade andando a pé ‘pelas ruas de Belém’, naquela fria madrugada.

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