sábado, 3 de junho de 2023

crônica da semana - mingau de milho com canela

 Mingau de milho matizado com canela

Já vi reações à quadra junina. Entretanto, pelo menos ao aluá, o desgostoso da vez quedou-se. Não encontrei jamais na vida alguém que relegasse ao desprezo, no pacote, todas as manifestações culturais das festas de São João. Semana passada, topei com este exemplar raro de crítico cultural. Eita. Me tremi dos pés à cabeça de indignação. Porque sou fã número 01 dos folguedos de junho.

A vida exige da gente tolerância, compreensão, prudência, uma elevação de alma na altura certa a nos dar conviver em sociedade. Mesmo que nos batendo diariamente com opiniões, convicções, posições políticas e ideológicas, gostos musicais, times de futebol diferentes, doce-amargos, cores preferidas. Ante tantos conflitos e desencontros, temos que respirar, engolir sapos, contar até 10 bilhões, e em nome da paz, relevar, fazer que não ouviu esta ou aquela afronta, isto ou aquilo de mentiras, e ainda tantos aquil’outros negacionistas e fatalistas. Agora, saber de uma pessoa, num tom até de indisfarçável soberba, que ela não gosta de nada da quadra junina: roupas, danças, músicas, encenações, bebidas, artes em miriti, as brincadeiras do pau de sebo e do quebra-pote no dia de São Pedro, no Mercado da Pedreira... do Pavulagem... estalinho, estrelinha... nada! Não dá não. Não tem espírito santo que ature o bruto molde, a tamanha rigidez na personalidade.

Além da alta sofisticação criativa, a atmosfera desta época refaz a história, reintegra nossas lembranças. A quadra se explica emocionalmente porque é festa muito ligada à família. Em mim, remonta há bons trinta, quarenta anos. Os eventos eram concentrados nos bairros e, mesmo, no leito das ruas. Vários terreiros eram formados, tudo acontecia na frente das nossas casas. O terreiro da Pedro Miranda era famoso. Descia da Lomas até a Itororó. Tinha alvará da prefeitura, a permissão da central de polícia, o consentimento dos moradores, e se dava tudo nos conformes. A comunidade se envolvia. Eu mesmo fui atrás de muita palha de açaí para fazer a decoração. Outros integravam-se à turma que cercava o estirão da rua. Havia os especialistas para contratar o melhor e mais barato sonoro. Quem quisesse colaborar, assumia uma venda certa de cartelas que davam direito à entrada na festa, à mesa para quatro, e por vezes, umas geladas e uma porção de comida típica da época.

Dançava-se muito, e muito bem nessas festas. Casais se contratavam para rabiscar o asfalto, só na caté, a noite toda. Uma outra parte que não tinha par fixo, se lançava aos encontros circunstantes, em solicitações educadas para a contradança, normalmente, feitas pelo cavalheiro. Aí, ia da dama, aceitar ou não aquele par. Entre uma e outra sequência de músicas dançantes que o rapaz do som selecionava com extremada sensibilidade, e antevisão de oportunidade para algum casal colar na festa, uma Quadrilha, um Pássaro, personagens folclóricos da época se apresentavam. Aqui, acolá, uma rodada de mingau de milho na cuia com uma poeirinha de canela pra matizar a gostosura.

Mamãe que não perdia uma chance de ganhar um numerário, também via grandes oportunidades nas festas de São João. Montava um terreiro todo ano na Vila Mauriti. Enfeitava de bandeirinhas, folhas de açaizeiro, jogava uma serragem nas pocinhas de lama e comandava a bilheteria e o bar. Não era uma rua, era uma vila muito apertadinha. É certo que tinha vizinho que não curtia aquela arrumação. Se recolhia em casa e ficava no escondidinho da noite. Mas não de forma ou jeito de desprezar todo o pacote de elementos culturais. Uma horinha abria a porta, chegava ao balcão da vendinha de mamãe e mergulhava numa bem medida  cuiada de mingau de milho, matizado prodigamente na canela.

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