sábado, 25 de fevereiro de 2023

crônica da semana - como será o amanhã

 Como será o amanhã

Os dias estão confeteados de bons temas. E todos dissolvidos numa alegria carnavalesca, serpentinada de cores vivas. Minha vida se alegrou já antes do carnaval, com a notícia do reajuste das bolsas de pesquisa alcançando todas as fases a partir da iniciação científica. Para um pai de doutorando foi um alento. A bolsa não é nenhum favor. É uma remuneração preciosa que garante naquele limite de numerário, a sobrevivência do pesquisador. Eu já estava me aperreando por dentro em ver meu menino recorrendo à marretagem de fim de semana para complementar a renda. Espero que este reajuste ajude e que, mais ainda, dê um gás aos estudantes para perseverarem nos caminhos sólidos e reveladores da Ciência.

Da parte da educação outros fatos relevantes marcaram esses dias. A lista de aprovados nas universidades públicas certificaram os reais valores dos mais humildes e a energia inesgotável que faz o jovem relegado ao esquecimento reagir e pautar conquistas na vida. E são vitórias de forte simbolismo. Soube de uma operária da construção civil que passou para o curso de engenharia. Uma realização expressiva, por dentro, aquela que remelexe o sistema. Já havia um caso bem representativo e que devo ter comentado por aqui. Há alguns anos, um rapazinho que compunha a peãozada que erguia um prédio em frente à minha casa, na Mauriti, também venceu o apagamento. Foi um dia especial para quem viveu e, como eu, para quem acompanhou do outro lado da rua. Não teve obra. A companheirada comemorou junto. Os chefes, os mestres de obra, e até os engenheiros de capacete branco aderiram. A obra parou para celebrar um engenheiro em construção. Do lado de cá eu vi. O pequeno pirou o cabeção. Untado de urucu, talco, uma poeirinha de cimento, ovos e mais ovos, embarcou na euforia e perdeu o jeito e o tino de tão feliz.

E é pra perder mesmo. Passar no vestibular, em universidade pública é um feito heróico, ainda mais para quem bate massa o dia todo. Tem que pirar isso sim.

Esta ausência total de estribeiras é o meu modelo de comemoração. Trago este padrão de uma ocasião, quando um garoto, que morava na Estrela foi aprovado (numa época que raras eram as aprovações na periferia). Minha patota da Mauriti foi à casa dele, pois que era nosso parceiro de bola. Fiquei besta de ver como ele estava. Totalmente aéreo. No mundo da lua. Estava de pé pela fé. O corpo ligeiramente vergado, a cabeça erguida fitando o nada no alto, os braços alçados no vazio e as mãos em coreografia positiva. Piradão. Um transe de satisfação, de completude. Para mim é o certo. É o jeito de descarregar a tensão de um ano e, às vezes, anos. Nas duas vezes que passei no vestibular, fiz questão de experimentar a piração. Este transe bem vindo. É uma felicidade sem legenda para traduzir.

Aqui em casa, minha companheira e as crianças experimentaram essa doideira ao som da marchinha do Pinduca. Navegaram, sem medos, sobre as águas que passarinho não bebe, em alcoóis graus de felicidade.

Há, porém, o amanhã. Espero que seja da mesma maneira completo (a família aqui toda conseguiu o canudo. Menos eu. Não deu pra mim. Embora tenha usufruído, aprendido pacas no tempo que passei na universidade, minha batição de massa superou em tempo e disponibilidade a capacidade de me dedicar às lições de sala de aula e também aquelas extra-classe).

Meu desejo é que calouros, pesquisadores completem o ciclo com o mesmo ânimo. Outrossim, ante os reveses, não esmoreçam. O amanhã, certamente, será outro se apreenderem o que puderem nos cursos que irão se integrar. O conhecimento científico, o tantinho que seja, vale para reforçar o front contra o negacionismo, os males e os perigos do mundo.

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