domingo, 9 de outubro de 2022

crônica da semana - não é peru, é pato!

 Não é peru, é pato!

Este ano, muita coisa emboloada. Eleição. Uma gripe inesperada. Show da Simone na bienal. Chuva de temporal pleno setembro, um dia esticado na ativa até além das 8 e meia para o remelexo do esqueleto por prescrição médica. Atenção nisto, naquilo e naquil’outro. No que deu? Ficamos, a família, sem o pato do Círio, depois de ter mina de pato no nosso micro latifúndio de meia-légua-indo-e-voltando, ali pros lados do salgado. Perdemos o trem da linha Belém-Bragança e ficamos sem a aviação da ave, no mês nazareno. E agora quede que a gente encontra unzinho pra remédio do comércio varejista da cidade? Nem crista nem copa. Pode até encontrar, ali pela feira da Jutaí, mas é com o preço por acolá de secar bolso fundo. Mais caro que o diamante da rainha.

Vá lá que seja, é da época. E também da pouca inclinação que temos para a criação de pato, em nossa região. Bem a calhar o causo de há alguns anos, ainda na minha atividade sindical, eu ter alimentado o sonho de transformar as margens do rio Murucupi em Barcarena, num centro produtor de patos para o Círio. A idéia não foi minha. Partiu da companheira Vera Paoloni, dirigente do sindicato dos bancários, que à época fazia uma parceria muito das suas di rocha com o nosso dos Químicos. Construímos muitas ações juntos. Realizamos o Passeio Ecológico pelo Furo, apoiamos as encenações da Paixão de Cristo, nos demos as mãos em campanhas salariais. Tecemos também programas cidadãos com projetos de geração de emprego e renda para as comunidades vizinhas. A criação de patos surgiu daí. Cenários políticos adversos, mudanças de orientação no campo sindical em’pata’ram o desenrolar do plano. O tempo corroeu nossas intenções, outubros mais vieram e nosso projeto dissipou-se na brisa que se espalha pelo Arrozal, Caripi, e vai dar aos pés de Nossa senhora do tempo, lá na falésia empavonada do Cafezal. Ainda hoje imagino como seria aquela pataiada ali em todo o estirão do Murucupi, esperando pra mergulhar de cabeça, num caldeirão de tucupi. Formo imagens, paisagens, fantasio patinhos chapinhando na margem argilosa, escura, lamacenta... Ilusão. Este ano não vai ter pato em casa.

E por falar em pato...

Volto a época de sindicato quando escrevi um comunicado à categoria classificando como uma intervenção cultural danosa, a iniciativa do setor patronal de distribuir aos trabalhadores um peru para as festas do Círio. Mas onde já se viu, protestei. Corporações de fora, ao instalar-se em nossa terra, deveriam antes de tudo, conhecer costumes, paixões, impulsos e devoções de nossa gente. E dei a letra: No Círio, não é peru, não. É pato. Pato!

Resmunguei, mas acabei pegando o meu peru congelado. Casou de aquele final de semana ser exato, meu período de folga das jornadas em turno. Agasalhei meu peru no congelador na sexta, e na manhã do sábado, embrulhei bem embrulhadinho num chumaço de jornal, arrumei na bagagem e parti cedinho para o porto de São Francisco, na intenção de embarcar no primeiro popopô para Belém. Esqueci um detalhe: era o sábado da romaria fluvial. Estavam todos, desde o casquinho até o catamarã mais porrudo, no cortejo pela baía. O jeito foi esperar. O tempo foi passando, eu ali na esperança de um barco, e nada, a temperatura do dia foi subindo, quando dei fé, estava pingando uma aguinha da minha sacola. O peru estava descongelando. Quando o barco apareceu, já estava um sol além do meio-dia. Até me aninhar no meu canto, já batiam os ponteiros do relógio, bem mais que quatro da tarde. O peru não resistiu ao calor. Já chegou em casa esverdeando.

Naquele ano não teve pato, no almoço do Círio. Nem peru.

 

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