sábado, 6 de agosto de 2022

crônica da semana - aline

 “Aline!" pour qu'elle revienne

A tarde findava. Eu e meu melhor amigo Edir Gaya, na ocasião, único funcionário e empreendedor compulsório do Crediário Santa Luzia, negócio mantido por mamãe aos trancos e barrancos, contabilizávamos o movimento do dia e nos preparávamos para desarmar a barraca. Seu Jorge, meu tio, no estirão de calçada que margeava a Mauriti, tomava um cafezinho e dava um tempo para decidir se ia embora ou não. Olhava pro céu, fazia umas contas, comparava datas, direção do vento, textura das nuvens e definia a previsão meteorológica da hora. Outros feirantes tomavam decisões diversas. Alguns optavam por uma cervejinha para encerrar a lida. Outros rearrumavam a mercadoria já no modo viração. Era nesse clima, meio ocaso plúmbeo, meio esperança vibrante; um tanto desilusão com a liquidez e rentabilidade, outro tanto e mais um pouco de contentamento com a féria diária. Parte racional com um futuro incerto e a outra parte destacando o romantismo da esperança presente... Pautado neste cenário, o rapaz do som (que era como chamávamos os DJ’s à época), que operava a rádio cipó, dava voz aos ventos que varrem a Pedreira, e colocava pra tocar o disco do Cristofhe. Ao ouvir a introdução da música em arranjo emotivo, soltando faísca, convulsionando as mais recatadas reações, eu dava aquela paradinha, olhava o entorno, gravava as imagens, os sentimentos, as energias que vagavam em eternas trajetórias ao largo do mercado da Pedreira. Era sábado encantado. “Aline!" pour qu'elle revienne.

Era o único dia que podíamos trabalhar os dois períodos, o sábado. Durante a semana e no domingo, a feira da Pedreira só operava até o início da tarde. Duas horinhas da tarde, um tantinho a mais ou a menos e a turma já deveria capar o gato. Não tinha escapatória. Era a vez da limpeza e do churrasquinho pra mais tarde e que ia noitinha à dentro.

Penso ser por isso que tenho comigo a força do sábado.

E entendendo essa vibração do sábado é que conjuguei carências, condensei nostalgias, agrupei desejos e me abalei para o veropa, semana passada.

Mas tava na ira. Sabe um cuíra, um comichão, uma vontade incontrolável de comer uma carne assada de panela da feira? Pois é. Estava fazendo menção, ensaios, uma tentativa em casa, mas ainda não havia realizado este meu desejo. E quando isso poderia acontecer de forma mais emblemática? Num sábado, ora.

Também, fazia tempo, desde o início da pandemia que não me arriscava em ônibus. Pois peguei um Ceasa-Ver-o-Peso, pela meio-dia, e  me abalei pro centro.

Piririquei pelo furdunço à beira da baía. Gente pacas, só um rego pra passar no meio do povaréu. Dei pra trás. Desci nos PFs. Mais mina de gente e olhe lá, olhe lá, umas tentações untadas no mais remoso dos colesteróis ali, a nos assediar. A muito custo, lutando contra meus diabinhos assanhados por uma gordurinha, dei de banda. Atravessei para o mercado Bolonha, àquela hora da tarde, mais aquele de tranquilo em termos de gente, de coisa e de movimento. Consegui uma mesa só pra mim, pedi meu prato e uma cervejinha pra espairecer. Apreciei o som difuso, bati o pezinho e cantarolei baixinho, sucessos antigos enquanto esperava.

Desejo satisfeito com sucesso, quando fui saindo, adivinha que música o DJ do som difuso pôs pra tocar? “Aline!" pour qu'elle revienne.

Voltei na mesma pisada e tomei mais uma. Com uma lagriminha rolando dos olhos. Senti Seu Jorge, os feirantes amigos, minha mãe e o crediário Santa Luzia perto. Bem pertinho de mim.

 

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