sábado, 13 de fevereiro de 2021

crônica da semana - empatia

 Meteu a mãe no meio, a casa cai

Do io que se estende pelas  cicatrizes que marcam o lombo emocional de cada um de nós; ao chio, que vem sem sentido e zonzo de direção, fim ou definição do que é esperança e o que é desespero, a vida da gente vai revelando almas... E olha, me aparece cada qual e tais e quais!

O que vale é que a gente se imuniza de embromações e ridículos coquetes. Agora, é na vera mesmo. Ferro com ferro. Transparência da finura da seda do papel de ‘abade’. O dito e o certo, no olho. Exigindo provações. Estabelecendo compromissos. Decidindo cuidados. E, ainda bem, desvelando caminhos tortos. Rasgando véus. Estampando personalidades e inspirando, dando as dicas sobre as estratégias de proteção.

Aconteceu com todo mudo, a frustração. Bambeou gente pacas, a decepção. Mãos que nos eram estendidas docemente, escondiam a ilusão amarga. O desencanto mágico, ácido e trágico.

Uma palavra saltou do caos: empatia. Para ser negada.

Conhecia o termo, olha só, das aulas de OSPB que tive na Escola Técnica. Numa das cartelas que incluíam conteúdos listando as condutas, os valores sociais e morais. Em plena vigência da ditadura, minha turma conhecia os princípios da empatia em dosagens bem mais substanciadas que hoje, quando o que se procura mesmo é se fazer de desentendido quando este tema é a pauta.

Comigo foi de abismar. De me deixar caindo os queixos. E retorno aos perdidos anos oitenta: Naqueles tempos , ora veja, a ETFPA sendo dirigida por um interventor, naquele cenário claustrofóbico, foi que ouvi falar, pela primeira vez na vida, em Karl Marx. Na dita aula de OSPB. De lá formulei entendimento sobre a relação capital/trabalho. E me convenci de que somente a minha força de trabalho interessa ao sistema. Não rolam sentimentos, carinhos, acenos de consanguinidades, afagos ou gentilezas nesse contato. É puramente de troca. Retocada pela mais-valia.

Com parente, pensei que fosse diferente.

A pandemia me mostrou que o sistema tem mais apreço por mim, mais cuidado com minha saúde do que meu parente de sangue.

Aconteceu d’eu ter um serviço assim, assado e optei por dar a missão a parente. Por telefone, combinamos os termos, as técnicas e preço, mas abortamos a missão quando, em determinado momento, ele exigiu minha presença em uma das fases do trabalho. Alertei que estava confinado em severa quarentena. Acrescentei que havia sido dispensado inclusive das tarefas presenciais na empresa em que trabalho, e desenvolvia, desde o início da pandemia, atividades restritas ao ‘home office’.

Só não me chamou de santo. Insinuou que eu era um fraco. Delirou do io ao chio afirmando que a pandemia não existe. Não era coisa outra, senão invenção da Esquerda e do Petê. Que eu tinha que me cloroquinar e sair para o mundo com fé no altíssimo pois que só ele salva. Resgatou arengas da infância, sentenciou que eu era um neguinho amamãezado, cheio de mimos e privilégios. Culpa da minha pusilanimidade, era da minha mamãe, cravou impiedoso e desonesto.

Opa! Meteu a mãe no meio, a casa caiu.

Desfiz o negócio na hora. Não teve trabalho, não teve clima para prosseguir nas concessões táticas das relações familiares.

A mim restou a certificação do descaso total que temos pelo exercício da empatia. A convicção da existência de almas descoladas do corpo social e, incrível, a evidência de que o patrão, o agente concreto do capitalismo selvagem, cuida mais de mim, que meu próprio parente!

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