sábado, 5 de dezembro de 2020

crônica da semana - MIR

 Eu quero viver

Houve um ano aí, que eu tava que tava. Juro! Bateu uma deprê. A vida tava assim, meio desinteressante, meio sem sal. Tudo por causa da MIR (lembram dela?). É vera! Quando eu soube que a MIR ia cair, romper a exosfera e riscar o céu em mir pedaços, quando soube que a aventura super emocionante (e ponha emoção naquilo!) da estação orbital russa ia acabar, fiquei numa malemolência, num cubu de dar dó.

Afinal a nave era o que vinha animando os meus dias, naqueles tempos de pax globalizada. Foi-não-foi, a MIR virava notícia e nos pregava uma peça (ou: uma peça da MIR quebrava e a pobrezinha corria riscos irremediáveis), e eu aqui embaixo, na expectativa, na torcida. Mais com pouco, outra onda na MIR: ai! Quebrou a rebimboca da parafuseta do compartimento de gases nobres (argh, argh! Esses russos!), e aí eu me pegava com todos os santos. Acompanhava as últimas dos jornais, até que tudo parecesse resolvido. Parecesse! Pois nada se resolvia na MIR. Cada bronca resultava numa MIR menorzinha. Uma trombada aqui, um esbarrão ali, o coração ficando fraquinho, fraquinho, e a MIR pedindo socorro. Até os americanos metidões flutuaram por lá ajeitando um band aid aqui, outro acolá, mas necas. Não teve jeito. A bicha despencou mesmo. E naquele padrão Rússia pós Guerra Fria, com uns pedaços deste tamanho perigando cair sobre o cocuruto da gente, égua!

E foi esse, o meu comichão naquele ano. Uma nova realidade sem a minha MIRzinha querida (geniosa, como as nossas queridas, mas como viver sem elas?). Sinceramente, passei maus bocados, sem ver graça em nada. Enfurnado pelos escurinhos da casa. Taciturno, ensimesmado. Carente. Sem rir, sem falar, sem comer, sem beber, na onda dos suspiros enfadonhos e medonhos chiliquitos.

E ainda mais que eram dias plúmbeos, de chuvas intermináveis.

Um belo, dia, então, o sol mostrou a cara e eu fui dar uma voltinha por Belém. Desci, a passos cadenciados, a ladeira do Forte do Castelo, só imaginando...

Lá embaixo a lançante jogava a Guajará para além das barraquinhas da Feira do Açaí.  E eu, aos poucos, me maravilhando com as possibilidades de viver Belém, Viva Belém, bembelelém, Viva Belém.

Ali, na foz do Piri, dei pra ficar contemplando com prazer, os barcos zarparem da doca do Ver-o-Peso, ao ritmo do banzeiro e ganharem o rumo do peixe bom. Tomei a Boulevard e me surpreendi esperançoso, animado enquanto me deslumbrava com o colorido matinal que as pimentas de cheiro emprestam ao entorno do Solar da Beira, e com o mundo de bondades verdes se mostrando das barracas das vendedoras de ervas.

Quis fazer um poema, dar umas risadas, gargalhar. Quis correr de um lado a outro da praça, atrás dos passarinhos que voam baixinho. Pensei em embarcar num popopô e depois desembarcar já quando ele estivesse desatracando, só de pirraça. Quis dar um sinal de louco amor pela minha Belém.

Pedi abrigo ao Senhor, e ali, sentadinho num banco da Praça do Pescador, sob a guarda do Jesus dos navegantes, eu decidi: sim, eu quero viver.

Pronto, daquele dia em diante, a vida me sorriu de novo, e eu não quis mais saber de tomar os mesmos rumos da MIR. Desde aquele dia de sol, quis ficar pra ver Belém da Guajará se desfolhar em mil pedaços, presunçosa, orgulhosa, cheia de vida, para mim.

E quer saber? Bem feito para a MIR, quem mandou ser tão lerda, tão incerta. Despencou e hoje ninguém lembra mais dela, só eu mesmo, nesses dias de chuva.

 

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