sábado, 4 de janeiro de 2020

crônica da semana - pedreira importa


A Pedreira importa
Sou Pedreira até a ponta da unha, do dedo mindinho dos pés. Desde que desembarcamos no galpão Mosqueiro-Soure, ou como se usa dizer, desde que me entendo por gente, moro na Pedreira. E isso não é floreado não. Fazendo as contas, arrisco dizer que me arranjei em todas as ruas do bairro.
Peralá, preciso corrigir a informação. Ajeitando a conta, pros lados da banda norte, não morei apenas na Perebebuí. Já pras bandas do sul, não me abanquei nem na Curuzu, nem na Antônio Baena. O resto tudo me viu chegar ou sair com minhas tralhas, trens e teréns.
Sair com bagagem na cabeça, de uma hora pra outra, ir se arranjando, é arte comum aos sem-casa. Umas vezes particionando a família em habitações pequenas, outras, juntando todo mundo, em número que chegou a ser de 11 pessoas, em construções, pela capacidade de pagamento, pequenas, que podiam ser as tradicionais casinhas de três cômodos. Tudo dependia do cenário.
Para meu povo, importava era a morada ser na Pedreira. Na baixa, que fosse, ou no centro. Valia o que tivesse.
Esta configuração geográfica, me faz voltar uns anos e refazer o desenho do bairro, tomando como base o eixo da Pedro Miranda. Até uns anos atrás, podíamos definir dois pontos baixos no traçado da Pedro Miranda. A região que exibia mais impacto era a chamada baixa da Pedreira, na ponta norte. Um trecho longo, que ia da Lomas Valentina até a Alferes Costa. Parte deste trecho passava o ano todo alagado, num lamaçal cortado de pontes e atapetado de capim baixo. Exceto alguns caminhões de serviços e o Jurunas-Conceição, por ali, ninguém se atrevia. Era uma planície larga que recebia água da chuva, do canal da Pirajá e em alguns pontos se ramificava em novos canais, como o canal da Passagem D’Outel. O grande irrigador da área é o decantado igarapé do Zé, que tem nascente de água limpa e clarinha lá nas matas da Aeronáutica. Com a execução da macrodrenagem, o igarapé foi contido em um único canal, que é conhecido hoje como o canal da Pirajá, e não invade mais as margens. A dita baixa da Pedreira, que, em tempos outros eu varava metendo o pé na água até chegar a Escola Salesiana, e com a batata da perna minada de chamichuga, é um dos poucos lugares, daqueles de passado dramático, que não alaga mais em Belém.
Já o canal do Galo, que cruza a Pedro Miranda, ali chegando à praça Eneida de Moraes, quando se enfeza, vai buscar lá longe. Nos últimos anos, tem surpreendido na potência com que tem ultrapassado os limites e posto boa parte da porção sul da Pedro Miranda no fundo.
Desde pequeno ouço dizer que a igreja de Aparecida foi construída no ponto mais alto da Pedreira. E é verdade. É uma elevação de relevo que funciona como divisor das bacias do Galo e do igarapé do Zé. É área nobre. Já morei, dizque, ao derredor, na Barão e na Mauriti, habitat de gente da mais gabaritada categoria.
A geladeira era o ativo doméstico que mais sofria com as mudanças. Do meio pro fim, foi pro tijolo. Aquela peça metálica que encaixa a porta, na parte de baixo, não resistiu e ao passar do tempo, desprendeu-se deixando a porta bamba e sem rumo. O jeito foi passar um bom tempo com um tijolo sustentando a porta. Isso exigia uma atenção, um cuidado, que mesmo nas batidas diárias já consagradas, não eram um valor da família. Todo dia era uma barulheira de porta caindo e levando tudo ao chão. Mas isso era o de menos. A Pedreira importava mais.


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