sábado, 18 de janeiro de 2020

crônica da semana - níver de Belém


Níver de Belém
Tomei foi um espanto quando vi que era Janeiro e não tinha preparado a crônica em homenagem a Belém.
Aqui na coluna foi conta batida a cada início de ano, as primeiras semanas tratarem de mimar a cidade.
Deu-se que, com o passar dos tempos, juntei um pacote emocionado de crônicas sobre Belém, embalei direitinho, partilhei com aliados, me juntei a cúmplices e publiquei ‘Janeiros’, meu livro tão Belém. Tão profunda e visceralmente pedreirense. Tão pleno e íntegro de carinho e amor por esta cidade.
Justifico minha patetice este ano porque parece que a publicação de ‘Janeiros’ provocou em mim uma saciedade mentirosa, uma sensação equivocada de dever cumprido. Um transbordamento, uma saturação nas idéias e sentimentos sobre Belém. Uma acomodação se realizou dentro de mim. Travando, inibindo relances, não admitindo inspirações no repente.
Eu, heim, vôte! Sai pra lá ziqueziras de contentamentos. Me errem panemices de satisfação. Vou é atrás da minha Belém reticente. Vou buscar pedacinhos que faltam, que pendem, largados ao ar, dispersos ao léu, submersos no rio-mar. Quero sim, interagir com Belém, no que seja. Nos modos severos da crítica ou no jeito mais justo de bem querer e admiração. Seja pra dar um puxão de orelha, seja para tascar aquela bitoca gostosa no cangote da península guajarina.
Ah, sim, antes de ficar me martirizando por ter deixado minha cidade pra lá, num momento de vera significativo, fiz uma reflexão sondando lá dentro de mim, as decepções, catando as mazelas que a cidade apresenta todo santo dia e nos afasta de si. Vai ver a culpa é da cidade. A Belém que se desfaz, que se liquefaz em cada breve chuva, inundando as ruas e alagando nossos olhos de choros de tensão, impotência e uma pitadinha de raiva.
Avalio que Belém vive uma fase dramática (que já dura um tempão). É fato. A cidade ‘desunerou’. Não esqueço o dia em que cheguei de uma viagem a trabalho, que me deu conhecer uma cidade nos longes do Brasil, toda limpinha, simpática, com faixas cidadãs ativas, com manifestações nítidas de civilidade dos motoristas e com atenção especialíssima a visitantes. Pois bem. Logo na chegada, em casa, quando desci do táxi, que aliás foi o dobro do preço que eu paguei na cidade onde estava, apesar da distância ao destino ser a metade; dei com minha rua tomada de lixo. Gatos, cachorros rasgando os sacos depositados na frente das casas e espalhando o resíduo pelo asfalto, os carros passando por cima, o sol esquentando, o calor reagindo com a matéria orgânica, o mau cheiro exalando daquela substância gosmenta.
Fiquei impressionado com tanta sujeira, mas cansado da viagem dormi parte do dia. Mais tarde, tive que levar uma encomenda a um amigo. Para atravessar a rua, procurei uma faixa de pedestre e, olha, se não sou rapaz e dou duas piruetas elaboradíssimas, um ônibus tinha feito de mim uma pasta inanimada. Tomei tento. Estava em Belém. Tinha que sobreviver.
É... A ausência de umas linhas dedicadas a Belém, penso agora, pode ter sido por uma satisfação duvidosa ou pela certeza da decepção.
Para tirar ‘as prova’ do motivo que me fez passar batido no níver de Belém, o que fiz? Fui bater no Veropa. Debaixo dum toró daqueles, e com a beira fervilhando num cálido e úmido clima de gente se encontrando.
Naquele momento Saturno cruzou o céu de Belém. E senti o afeto voltar com mais de mil. Era mesmo somente uma saciedade mentirosa.


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