sábado, 9 de novembro de 2019

crônica da semana - cinema novo


O velho cinema
Cinema para mim foi e sempre será o Paraíso.
Antes, devo fazer justiça e citar umas exibições de rua que aconteciam em frente à taberna do seu Paulo, na Marquês. Não sei ao certo, quem promovia as sessões. Armavam uma tela grande de tecido branco, montavam o projetor, a vizinhança providenciava as cadeiras, o filme era de caubói. A molecada, eu incluso, pirilampava ao largo e nos divertíamos a valer naquelas noites. Não foram muitas as sessões, mas pela iniciativa e pela novidade que era aquela movimentação, na Marquês de Herval da minha infância, ficaram gravadas em cinemascope na memória.
O Paraíso veio mais além, quando eu já ia sozinho para as partes e isso incluía as matinês (que eram à tarde) no cinema. As mais distantes lembranças datam de meados da década de 70. Ainda vigiam as fitas de bangue-bangue, só que os filmes de karatê começavam a dar seus traços e os de Kung fu, iniciavam um arrebatamento, estimulavam arremedos saltitantes e audaciosos volteios no ar, em moleques mais afoitos da minha patota.
Foi uma época que, diria eu, ser de maior democratização do cinema, em nossa cidade. Só na Pedro Miranda, contávamos com duas grandes salas. O Paraíso e o Cine Vitória. Eram fartos os oferecimentos de cinemas também no largo de Nazaré. Ao pegado um no outro, tínhamos o Iracema, o Nazaré e o Ópera. Atravessando a praça, encontrávamos o cinema Moderno. E dava pra gente ir. Não era divertimento só de ricaço não. O período mais pródigo foi quando instituíram a “meia da meia”. Estudante que entrasse antes das três da tarde, pagava um quarto do valor do ingresso. Aí, gente do bem, só dava eu.
Virei fanxão do Paraíso. Porque era mais perto da minha casa. Fazia daquele cinema, quase na esquina da Mauriti, o meu éden.
Tive uma primeira fase. De filmes de aventura. Úrsula Andrews e Bruce Lee, na matinê. Minava a molecada na fila. Parecia periquito na comidia.Todo mundo querendo entrar de uma vez. Havia uma porteira que ficou famosa pela falta de paciência. Enfezada, apanhava no jardim um galho linheiro e saía lambando moleque. Um instante que a fila se ajeitava. Na época, o programa era de duas sessões. Eu ficava pra ver as duas. A primeira para ler as legendas. A segunda para ver as cenas. Quando a gente saía, já anoitecendo, era a maior algazarra.
Tempos depois, morando na Mauriti, virei um ‘amigo do Paraíso’. Cheguei a trabalhar lá. Varria o salão (que era grande pacas), arrumava o jardim, apanhava as latas de filmes na distribuidora. Em algumas e inesquecíveis vezes, auxiliava na sala de projeção. Pegava uma ponta, mas o que me valia era entrar na boa para assistir às sessões noturnas. Sônia Braga, Vera Fischer, Nei Latorraca, Paulo César Pereio. Fiquei até amigo da tia da roleta.
Eu era vicici no cinema do meu bairro. Depois que os cinemas foram desativados, ganharam funções transcendentais, amofinei.
Desanimei de tal forma que, mesmo amante da telona que sou, abandonei as salas. Nunca fui a cinema de shopping. Outras alternativas da cidade em salas de instituições públicas são concorridas demais, e eu não tenho mais idade pra estar sendo lambado na fila. Meu bairro desfocou em uma velocidade maior que 24 quadros por segundo. A serpente que tentava Eva nas paredes do Paraíso, mimetizou-se em rolos de 35mm e atravessa a eternidade enroladinha em latas de filmes abandonadas nas minhas lembranças.




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