sábado, 27 de julho de 2019

crônica da semana - sinhozinho


Sinhozinho, a mãe primata e o pregador de roupa
Ele não morava mais na mina. Fazia parte de um grupo seleto de pioneiros que iniciou a mineração em Rondônia. Aparecia nas frentes de trabalho somente para consertar o que ninguém consertava. Mecânico leigo, fazia e acontecia com uma chave de torque na mão. Homem de pouquíssimas palavras, contraditoriamente se animava quando a prosa ia pros lados das histórias de caçador, lá daqueles tempos antigos. Já peguei a fase de caçador arrependido. Ouvi várias vezes a passagem em que ele derruba a mãe macaca. Em algumas ocasiões penitenciou-se e, contrito, advertia que o macaquinho parecia gente. Parecia que rezava.
Aconteceu certa vez. Numa das suas caçadas, avistou no alto da árvore, a macaca com um filhote nas costas. Apontou a 12 e com um tiro certeiro, derrubou os dois. Quando se aproximou, percebeu a mãe primata sem vida, estirada no chão. Ao lado, o filhote pulava, gritava, rolava na terra. Segundo o relato de Sinhozinho, o macaquinho sem a mãe, não iria sobreviver na floresta. Tinha a “missão” cristã de sacrificar o filhote. Ao apontar a arma, notou que o macaquinho saiu daquele estado de desespero, virou para o lado dele, aproximou-se. Agachou-se, juntou as mãozinhas. Era como se rezasse, consternado tempos além, revelava Sinhozinho. Parecia uma súplica. Um pedido de clemência. Parecia gente. Naquela época, de caçador implacável, Sinhozinho não fazia essas reflexões. Atirou.
Se alguém ainda não viu de perto a mão de um macaco, eu asseguro. É igualzinha à nossa. A disposição dos dedos, a articulação da falange, da falangeta. É escritinho a nossa pegada.
Em uma outra ocasião, constatei esta anatomia. Ao chegar no meu acampamento, depois de uma exaustiva caminhada, na maior broca, o que encontrei para comer foi só carne de macaco. Vi o crânio, as mãos, os pés do macaco, descartados. As partes nobres cozidas na panela. Não consegui comer. Para mim, era como se fosse comer o meu avô. Bateu em mim uma angústia antropofágica. Uma consciência de parentesco. Uma pena ancestral. Uma desolação filogenética.
A Taxonomia é a parte da Biologia que relaciona características iguais entre os seres vivos. Olhando por esse lado, me senti atingido por aquele tiro que Sinhozinho disparou e acho que agi certo em declinar daquele ensopado, no meu acampamento. As semelhanças entre mim e aquele almoço eram incríveis.
Essa parecência e esta solidariedade, já não acontecem com o carrapato.  E tão distinto é, que Sinhozinho não contava um drama sequer envolvendo o artrópode.
Tenho pensado sobre a evolução do carrapato. O único degrau evolutivo alcançado que consigo associar o aracnídeo hematófago está ligado ao comportamento social. O bichinho é dado. Está sempre acompanhado de mina de parças quando a gente topa com ele, numa folha caída no bosquinho.
Assisti a um vídeo do maravilhoso Ariano Suassuna, e atinei bem para os argumentos que usa ao negar a Teoria da Evolução. Diz não acreditar que o homem veio do macaco. E que o macaco, por mais esperto que seja, jamais criaria uma engenhosidade do status de um pregador de roupas.
Penso que podemos explorar além dos rasos das opiniões. Pesquisar (olha que fucei um feixe de literatura e não achei texto em que Darwin tenha dito que um ser dormiu macaco e acordou humano). E ir mais além. Procurar semelhanças e diferenças entre nós, o carrapato e o ensopado de macaco.




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