sábado, 6 de julho de 2019

crônica da semana - bobeira


Não dê bobeira
Sou movido a pré-programas. O planejamento é minha regra. Minha língua é o Excel e suas fórmulas de simulações e previsibilidades.
Por isso, logo ao chegar a Santiago do Chile, estava com a estratégia de retirada toda montada. Sabe aquela pessoa que mal chega no lugar e já se preocupa com a hora de voltar? Sou eu. E a meta era em alto nível, no estilo nativo santiaguino. No meu pensamento chegaria ao aeroporto, para a viagem de volta dali a 10 dias, pelos meios mais baratos. O que incluiria transportes populares como ônibus e metrô.
Obviamente que precisaria passar por um adestramento. Teria todo o período de férias para treinar, conhecer itinerários, estações modais.
Informa daqui, pergunta dali e encaramos.
Começamos, eu e minha companheira, a nos deslocar com certa facilidade na cidade. O metrô é bem eficiente, tem horário regular, duas ou três ramificações. Fizemos todo o nosso roteiro de metrô. Estávamos craques. Uma recomendação se repetia a cada dica que solicitávamos sobre transporte e passeios pela cidade: o cuidado com as bolsas e os bolsos. Avisados fomos a não dar bobeira.
Santiago é um cartão postal. É meio Rio de Janeiro do Cristo. De qualquer canto da cidade a gente se encanta com a beleza da cordilheira. Há o fenômeno atmosférico no final da tarde que faz as montanhas refletirem cores diversas. O brilho esbranquiçado da neve ornando o cume pontiagudo das montanhas é um espetáculo rotineiro. É um lugar tranquilo. Seguro. Casos de assalto ou abordagens violentas são raríssimos. Não obstante, como toda metrópole, abriga os oportunistas, os descuidistas. Batedores de carteira, gatunos, mãos-leves são peças batidas no arranjo urbano. Neste aspecto, nada diferente do que passamos aqui em Belém na hora de subir nos ônibus, naquele empurra-empurra. É o momento preferido para o desfecho do golpe. É o instante que a gente dá bobeira.
Num desses deslocamentos que fizemos, de metrô, dei bobeira. Era hora do pico. Um aperta-cunha inevitável. Um sujeito limpinho, arrumadinho, branco, bem vestido, dissimulado, abriu o zíper da minha calça e se não sou rapaz, tinha dançado. Flagrei o janota perfumado já pinçando os poucos pesos que eu tinha no bolso. Dei o alarme, segurei na mão dele, apliquei-lhe uns golpes de street fight pedreirense e ele saiu correndo com mais de mil. Não levou nada. Mas impactou. Assumi a versão gato escaldado e achei prudente, depois do ocorrido, alterar meu planejamento de volta para o aeroporto. Fui ao Excel e substituí o transporte modal popular pela segurança do transfer out oferecido pelo hotel.
Agora tem muita graça eu, neguinho da baixada, sair aqui da Pedreira, do furdunço de fim de tarde nos ônibus lotados de Belém, para ser alfobitado por um chileno entalcado. Mas quando, já!
Foi bobeira. Um momento de distração e uma facilidade até incomum dada ao ladrão. A época é de muito frio em Santiago e o normal é a gente andar com muita roupa. Normalmente usava três calças comuns além de uma calça térmica. Dinheiro e documentos, sempre carregava ensanduichados, entre o feixe de calças. Nesse dia, exatamente, como faríamos uma saída apenas para um lanche noturno, relaxei. Reduzi o vestuário e guardei o numerário na roupa de cima. A ocasião não fez o ladrão empoadinho, mas adiantou pacas o lado dele. Dei bobeira.
Se não sou rapaz...



Um comentário: