sábado, 4 de maio de 2019

crônica da semana - Déia


Luz própria
Vez ou outra, nos encontrávamos no ônibus. Ela vindo do Paes de Carvalho, eu, da Escola Técnica.
Tínhamos uma relação ainda pautada em formalismos. Quando vagava o ônibus, lá pela fábrica da Gelar, trocávamos algumas palavras, combinávamos reuniões, uma ou outra atividade do nosso grupo. Aquelas agendas essenciais para mudar o mundo. Déia chegava ao movimento jovem que tínhamos na Escola Salesiana. Eu já estava há mais tempo e mal sabia que, naquele apertado do Sacramenta-Humaitá, em breves diálogos, oportunos e operacionais, iniciava a amizade com um dos espíritos mais iluminados que conheci. E que estaríamos, dali para frente, lado a lado apostando nas alternativas possíveis para criar um mundo mais solidário e justo.
A Caminhada se deu em conteúdos e formas. Já perfeitamente integrada ao movimento jovem, Déia influenciou, contribuiu. Com desapego e uma ilimitada alegria. Tinha uma energia que nos inspirava a paz e a liberdade. Rompia as mais invioláveis travas. Lembro que dos carnavais que passei, o mais divertido nem foi aquele de notações mundanas. Foi justamente um retiro do nosso grupo de jovens, em que formamos um par sem par na folia e na animação. Com todo respeito, fantasiamos o Padre Lourenço de Chacrinha, logo ele que era inabalável na postura e na discrição. Generoso que só ele, aceitou a brincadeira e volteamos com o padre, todo sem jeito, pelo salão, umas quantas vezes, ao som das marchinhas orquestradas. Déia operava milagres.
Daquela garota de olhos de mar, intensos e decididos; de diálogos objetivos e práticos e, por outro lado, daquela mocinha destemida que fantasiou um dos religiosos mais respeitados do Pará de Chacrinha e o tornou humildemente humano como todos nós, brotou a doutora, a militante, a cuidadora da casa, a professora, a coordenadora de projetos culturais robustos. A mãe. A artista multifacetada. A amiga que nos alerta sempre que não estamos sozinhos na lida. Mudar o mundo não é fácil.
Conheci Déia Palheta, nas caminhadas da vida, a tenho como iluminada. Mas esta não é a absoluta definição. Orivaldo Fonseca, também membro do nosso grupo salesiano, daqueles tempos, por ser vizinho de porta de Déia, nos meandros da passagem Maria Auxiliadora, nos revela que ela desde a tenra infância, já demonstrava ter luz própria. Não era iluminada. Iluminava. E na semana do aniversário de Déia, a ela, dedica estes versos.
ESTRELA
À noite apareces estranha e cintilas, E minhas pupilas, coitadas, São fadas tentando te achar. Mas, obscureces teu brilho ao me ver; E como entender? Se tuas pontas de brilho me podem tocar. Estrela de estrelas, Jogaste outras delas no meio do mar, Julgaste a teu modo o que viste; Rainha, cobriste as súditas tuas. Mas, o que fazer? Se és estrela da lua, Ofertas a ela clareza E brilhas e imperas Nas noites; pudera, te fazes valer. E ocultas as outras com tua grandeza. Tuas pontas, estrela, Eu vi se lançarem do ar, Eu sei que só vê-las não basta, Eu sei da luz vasta que jogas no mar... O escuro que cortas importa a outros tantos; Recorda as estrelas acesas outrora Que, embora sabendo cobriste-as, fazendo com tua grandeza. Meus prantos no entanto, Não correm pra luz revelar, Mas quando me vires, não vires as costas - Que importa é o agora – Vem tu, também chora; Que os prantos, de tantos, Se fazem secar.

Um comentário:

  1. Obrigado, meu querido, por inserir meus modesto, mas sinceros, versos para a nossa amiga amada.

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