terça-feira, 3 de outubro de 2017

crônica remix - Francisco

O Santo dos pobres
Um violão Giannini Trovador. Vinte e seis exemplares do Asterix, que representavam até então, a coleção completa dos episódios criados pelos geniais franceses René Goscinny e Albert Urdezo. Um Pau de Chuva, instrumento percussivo que arremeda o som de água caindo, originário dos Andes chilenos e que comprei, numa exposição, como sendo artesanato dos Cintas-Largas. Uma caixa com muitos quadrinhos. A linhagem inteiriçada dos cartunistas paulistanos. Revista Circo. Chiclete com Banana. Geraldão. Níquel Náusea. Piratas do Tietê; De carona, a vovozinha revista MAD, já nos estertores, fazendo o contraponto; e uma pilha de PQP que mamãe mandava pra mim, todo mês. Somando no acervo, os primeiros números de O Planeta Diário e Casseta e Planeta. Noutra caixa, as aquisições capa dura, feitas junto ao Círculo do Livro e também adquiridas na livraria da, revolucionária, Rose. Sartre. Veríssimos, muitos Veríssimos e as minhas, até hoje, iluminações literárias, Zero e Feliz Ano Velho. Na mala, uns vinis ‘emprestados’ de Mercedes Sosa, Zé Geraldo, Ana Belém, Maria Betânia...e preciosas amostras de cassiterita, columbita, topázio, quartzo-dente-de-cão, quartzo rosa, uma fagulhinha, quase invisível de diamante industrial, meus quase nada de vestir, um frasco de Contouré  e...só. Esta era a minha bagagem franciscana quando embarquei em Porto velho, de volta para Belém, num dia 4 de outubro, como o de hoje. Dia de São Francisco de Assis.
Operou um milagre, o Santo dos Pobres, naquele dia. Depois de quatro anos longe, estava difícil de voltar. Uma greve poderosíssima dos aeronautas tirou do ar uma leva de aviões. Os vôos liberados eram um aqui, outro ali. Esta situação fez com que, naquela terceira vez, eu me visse deixando Porto Velho sem ninguém para me dar um tiauzinho, antes do embarque. Estava sozinho. Mas deixei estar, não queria incomodar os Borges Guimarães, a minha família rondoniense, com mais uma tentativa. Antes, nas duas incursões, toda a galera. Lencinho branco de despedida, lembrancinhas, emoções, saudades antecipadas, e, olha só, os vôos foram cancelados. No dia 4 de outubro, havia uma chance mínima, para que a viagem desse certo. A providência, um milagrezinho tinha que acontecer. Combinei com meu povo que iria sozinho, afinal, milagres não acontecem assim, na vida da gente, quando a gente bem entende. Não botei fé.
O avião que me trouxe marcaria certinho o final da greve. Desde ele, tudo voltaria ao normal. Desembarquei em Belém, já de tardinha, com a certeza da ajuda do Santo Francisco.
Sempre fui fã de São Francisco (meu filho tem Assis no nome). Isso, se não causou conflito, gerou um desconfortozinho na minha vivência dentro da igreja. Sou ex aluno salesiano. Atuei na pastoral da Sacramenta, nas comunidades de base, nos movimentos de jovens, levando a mensagem de Dom Bosco, mas não escondia a minha inclinação franciscana.

Um ser humano admirável, Francisco. Em plena idade média, num cenário irrefreável da ascensão burguesa, rebelou-se e optou pela pobreza. Talvez essa reviravolta na vida seja, realmente, o maior atrativo na historia de Francisco. E esta visão, um tanto romanceada do santo, de prima, me arrebatou. Mas depois, conhecendo mais sobre a opção de Francisco (e ajudado pelos cenários históricos dramáticos envolvendo os Fraticelli, descritos por Umberto Eco em O Nome da Rosa), tomei pé do quanto o Santo de Assis foi sábio e corajoso para superar a suntuosidade da Igreja, a soberba do clero, a ânsia dos pobres... séculos mais tarde, a greve dos aeronautas, e operar milagres. Salve, Francisco!


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