sábado, 14 de outubro de 2017

crônica da semana - a bom remar jorane

A bom remar
É um jeito delicioso de falar que não se usa mais. Antigamente era comum: “dizque fulana ia me dar uma prova daquele chope de groselha docinho. E eu, a bom acreditar nela, mas quite, me enganou, a sacrista”... Só Jorane mesmo.
Uma única vez a vi de pertinho. Foi numa mobilização em favor da preservação do Casarão da Praça Ferro de Engomar. E nem foi tão de perto. Eu fiquei numa esquina, e ela noutra. Mas reparei bem o quanto ela é reconhecida como uma referência. Revela opiniões, expõe ações. Naquela época, fez peso, ali na praça, em favor da proteção do Casarão que estava sendo pilhado de peças estruturais e ornamentais de considerável valor histórico e cultural.
Sou fã da cineasta Jorane Castro. Não sou nem crítico de cinema nem nada, mas dou o maior valor na linguagem que ela usa para contar as histórias na tela. Além do talento, Jorane tem uma desenvoltura, uma facilidade na comunicação de chamar atenção. É jornalista, atua no meio acadêmico, tem obras reconhecidas internacionalmente, mas admiro muito a cineasta, também, por aquele traço ribeirinho, aquele viés pés no chão da personalidade dela.
Atinei bem na revelação destes vieses da alma, numa entrevista que ela deu à jornalista Linda Ribeiro, no programa Coxia. Um momento muito dos seus pai d’égua. Duas destacadas figuras  na arte da comunicação. Linda Ribeiro, usando da sua reconhecida competência como entrevistadora, deixou Jorane muito à vontade para uma boa conversa. E aí, ela cortou e arou. Falou dos tempos que viveu fora do Brasil, dos grandes projetos que participou, da estrutura profissional que ergueu para viabilizar o cinema na Amazônia. Éraste, e eu, vendo pela televisão e já conhecendo um pouco da trajetória da cineasta, fiquei até tonto com tantos valores, com tantas conquistas, com a envergadura do talento de Jorane. Estava, então, explicado: Me peguei como um fã platônico que jamais atravessaria a rua da praça  Ferro de Engomar para puxar uma prosa com pessoa tão famosa, mesmo que fosse para salvar o Casarão. Era uma estrela das mais inalcançáveis alturas. Das mais inatingíveis lonjuras...
Até que ela começou a falar das vezes que vinha de Paris para as férias e se quedava aos encantos ribeirinhos do interior. Nessa hora, bateu o martelo sobre aquela coisa da natureza cabocla que ela preserva. Mostrou-se rés ao chão paraense. Perto mesmo, de ao pegado da gente.
Em determinado momento, usou uma expressão que por demais me encanta. Confrontando a vida nos glamourosos recantos da Europa, com o emaranhado de furos que moldam os rios da Amazônia, revelou que, quando das férias, passava os dias no interior “a bom remar, a bom remar”, assim mesmo, de forma reiterada.
“A bom remar” É uma variação do sentimento de intensidade que vale para “a bom esperar”, “a bom andar”. Só Jorane mesmo, em entrevista perfeita, na simplicidade de todo seu brilho, para abrigar tão bem, na boa fala, uma pérola dos nossos dizeres tradicionais.
E falou com tanta naturalidade, que parecia que estava na porta da rua, numa conversa solta, de fim de tarde cametaense, a bom enfileirar causos.


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