domingo, 10 de setembro de 2017

crônica da semana - terra plana

Dona Redonda
Tomei foi um susto dia desses, ao entrar num blog para pesquisar sobre uma conta da matemática que calcula a distância da linha do horizonte até a gente.
Trata-se daquela linha no fim das vistas que se desenha lá no fundo da baía do Guajará, e se estende ali pras bandas do Marajó. A linha do horizonte.
Pitágoras resolve a parada. É só calcular o valor de um dos catetos do triângulo retângulo e a questão está dominada. Ocorre que para que esta conta seja executada, a gente tem que admitir umas verdades anteriores. É essencial que a gente acredite, por exemplo, que a Terra é redonda. Ou como se ensinava antes, nas aulas de Geografia, redonda, achatada nos polos.
A forma da terra já era conhecida pelos gregos há mais de dois mil anos. Enquanto algumas crenças da Antiguidade pregavam que após a linha do horizonte as embarcações despencavam num precipício eterno, Eratóstenes, comparando ângulos e distância entre duas cidades gregas, imaginou a Terra como, o que seria hoje, uma bola de futebol. Colombo provou que além do horizonte havia não o fim do mundo, mas um mundo novo, e venceu os medos (quando estive visitando a Espanha, fiz questão de reproduzir aquela cena clássica atribuída a Colombo. Ao final da tarde, sentava numa batente de frente pro mar, procurava navios sumindo além do horizonte oeste e trabalhava uma emoção dentro de mim. E trabalhava uma direção aqui dentro de mim: ali, pra’quelas bandas é a minha Pedreira do samba e do amor).
O meu susto se deu exatamente porque, repassando uns comentários sobre o cálculo indicado no blog, encontrei várias intervenções questionando a afirmação de que a Terra é redonda e ao mesmo tempo, defendendo a idéia de uma Terra plana. Minha apreensão aumentou quando, rolando a barra de comentários, mais e mais pessoas apareciam reiterando esta noção de uma Terra com uma superfície definida em forma de disco. E com tal entusiasmo e decisão que ao cenário, só faltou ser acrescido o apavorante abismo eterno.
Parece inacreditável que na era do Google Earth, dos satélites e das estações orbitais, ainda apareçam opiniões tão antigas. Não houvessem estes suportes tecnológicos, a alternância dia e noite já seria uma dica considerável sobre a forma esférica da Terra. Mas me parece que estas evidências quase nos dadas de bônus pelo bom Deus, não bastam.
Há riscos nestas interpretações conservadoras dos estados naturais. Quem opera descartando o conhecimento que a ciência nos oferta, verga-se com certa facilidade para o preconceito, para a homofobia, para o racismo, para a eugenia. Empenha-se em defender a arma não mão do cidadão de bem. Não digo que ter convicções diferentes sobre a realidade, seja um pecado mortal. Infelizmente o que percebo é que estas certezas, não raro, vêm acompanhadas de intolerância, de violência, de radicalismo ideológico e doutrinário.

Acredito no crescimento através da educação e do conhecimento. E tenho certeza que a linha do horizonte, se buscada aqui do meu alpendre, vou encontrá-la um pouquinho antes das matas do Marajó. Prova de que há um mundo novo, além. 

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