sábado, 2 de setembro de 2017

crônica da semana - eclipse

Eclipse oculto (e põe oculto nisso)
Em 1991 aconteceu um eclipse aqui na região Norte, que mobilizou uma pá de gente. Para mim, ele foi um eclipse tão oculto, mas tão oculto que não vi um tico assim. E olha que fiz por onde.
Na época não tinha essa informação vasta pela internet, mas como sou metido nessas paradas astronômicas, fiquei sabendo com bastante antecedência do dia, mês, ano, horários e regiões em que o eclipse poderia ser visto nas melhores formas e jeitos. Em Belém, o sol teria uma ocultação parcial, que nem essa do último ocorrido. Ficaria em torno de 40%. Mas pra mim, já valia.
Trabalhava em uma mina no Amazonas, por esses dias. Articulei com os colegas, fiz as contas dos dias, bem certinho, programei minhas férias. Ficou tudo no jeito. Se a memória não me trai, foi em Julho. O fenômeno iniciou, como este que passou, ao cair da tarde, e como este que passou, apesar de um mês de sol pródigo, que é julho, exato neste dia, a tarde nublou. Égua da pissica da velha chica! Parece uma coisa. O pobre do belemense não tem uma forra nem pra ver o eclipse, vôte!
Animadíssimo estava, desde o início da tarde. Tive a aquilatada companhia do meu compadre naqueles momentos de espera. Marcamos encontro, almoçamos em algum lugar ali pelo centro e até a biqueira do eclipse, administramos a ansiedade tomando uma gelada no Bar do Parque, sob as benções de um geral que alvoroçava as mangueiras da Presidente Vargas. Estava preparadíssimo. Sabia que a exposição exigiria cuidados (com 40% de ocultação, seria quase que um sol normal brilhando intenso e emitindo ultravioletas perigosíssimos para os olhos). Montei várias partes de placas de radiografia desde aquelas antigas do meu menisco bichado até a mais recente radiografia do pré-molar (hoje sei que esta forma também não é segura. A peça admitida para observar eclipse é o filtro de soldador, aquele de mais alto grau, mas mesmo assim, para uma observação de poucos segundos. Mas o mais seguro mesmo é fazer a projeção em superfície branca, como já nos advertia Kepler lá em miliquinhentos e uns caroços).
Quando deu a hora, descemos para a escadinha. O vento geral tava que tava e isso aumentava a excitação daquela ruma de gente descendo para a baía. E era um quiquiqui, um alarido, uma animação. Mesmo quem não se conhecia, puxava conversa, procurava ver a qualidade das radiografias dos pré-molares... Houve de certo, uma interação, meio aquilo de povo unido. Na alegria e na tristeza. Por fim, necas de pitibiriba. O sol não apareceu. As nuvens não abriram uma brecha e pra completar, caiu uma chuvinha.
Frustrados, eu e meu compadre desviamos para um bar que tinha bem na beira do Ver-o-Peso. Tomamos todas. Edmar, do Mosaico de Ravena, estava tocando lá. Pedi uma canja e submeti aquela plateia a um grande sofrimento. Fui convidado a devolver o violão em meio a uma chuvarada de papel, cubinhos de queijo, pelinhas de tomate, petiscos diversos, apupos e palavras pouco elogiosas.

O pior né nada: lá no Amazonas, de onde eu tinha vindo de férias, o dia escureceu plena três da tarde e os passarinhos endoidaram.

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